sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Em defesa do papel e da caneta

Vejo muita gente querendo matar o papel, alegando que ele é insustentável, não é prático, etc.... Não vou entrar no aspecto ambiental ou econômico, mas analisar os principais pontos (na minha opinião) pelos quais o papel ainda é mais eficiente que muitas tecnologias.

Primeiro: Usar notebook em sala de aula? Coisa de filme. Infelizmente não é praticável em muitas situações, por diversos motivos.

Talvez a situação seja diferente em faculdades particulares ou em cursos mais de TI/computação, mas no curso que faço e na universidade onde estudo, isso é algo raro - usei notebook em algumas poucas cadeiras. E na maioria das vezes, o uso deles era o mais banal possível: acompanhar os slides que o professor passava sem precisar forçar meus olhos, pois muitas vezes acho mais confortável sentar no fundo da sala.

Começa pela falta de tomadas: cada sala tem uma meia-dúzia delas, distribuídas nas paredes. Ou seja, se tiver mais que 6 ou 7 notebooks na sala, é aquela gororoba de fios pela sala (piadinha tem fio demais aí em 10... 9... 8...). Esse é o problema mais fácil de resolver: basta colocar um número razoável de tomadas de chão (uma excelente ideia, que infelizmente vê-se pouco por aí).

Passa pela falta de redes sem fio: seria necessário um roteador em cada sala, devido à espessura das paredes. Não bastasse isso, seria também importante uma ferramenta de filtragem de conteúdo (para evitar que o aluno ficasse a aula inteira baixando tranqueiras e atolando a conexão de todos). Também não é algo difícil para um CPD/datacenter implementar usando-se um proxy, firewall, etc....  [1]

Por fim, em uma universidade federal, pública e gratuita, nenhum professor pode obrigar os alunos a terem um notebook/tablet. Pode-se recomendar (até porque boa parte dos alunos tem, e os notebooks mais low-end - muitas vezes suficientes para o uso em sala de aula - já são bastante acessíveis), mas não se pode colocá-los como obrigatórios, o que seria necessário para, por exemplo, realização de provas com consulta ao "material eletrônico".

Segundo: Para quem tem dificuldade de se concentrar, ou para quem não tem paciência para estudar, estudar com papel e caneta ainda é a melhor opção. Não existe a tentação de ah, vou ver se alguém mandou um e-mail, ah, vou ver se as notas de tal saíram, etc... O papel simplesmente está lá, ele não faz multitarefa, ele não tem eye-candy, nada.

Soma-se a isso o fato que a universidade precisaria dar acesso a uma coleção de e-books para os alunos. Aliás, isso seria algo interessante, poderia inclusive ser algo no mesmo modelo do Portal de Periódicos. Mas, atualmente? O aluno que precisa de um e-book muitas vezes precisa se contentar com um PDF de baixa qualidade, com as páginas escaneadas como imagens (ou seja, nada de copiar e colar uma fórmula).

Terceiro: para anotações free form, papel continua imbatível. Não conheço nenhuma ferramenta (para Linux) que me dê esse tipo de anotação ao mesmo tempo que me permite incorporar gráficos, diagramas, equações etc....

O basKet quase chega perto do que eu quero. QUASE, pois ele não tem um bom suporte a equações. De preferência algo do estilo do LaTeX: é muito mais ágil um $I = C \frac{dv}{dt}$ (uma jujuba pra quem entender a equação) do que clicar em menus e arrastar e soltar objetos.

Quarto: o professor, se ele quiser que os alunos usem mídias eletrônicas nas salas de aula, precisa se reinventar. As velhas lâminas não servem mais; tampouco serve encher o quadro. E como vai ficar aquele professor de Matemática/Física do século passado que odeia calculadoras tipo as HP, porque permitem que os alunos colem?

E, por fim: mesmo que essas condições sejam atendidas, o modelo eu tenho a informação ao alcance dos meus dedos não condiz com a avaliação por provas. Óbvio que, em algumas cadeiras (como as teóricas), substituir as provas é impossível. Mas nas cadeiras mais avançadas do curso, considero perfeitamente possível a realização de trabalhos - que obriguem o aluno a não apenas pesquisar, mas sim entender o que leram e expressar com suas próprias palavras - em substituição a provas de decoreba e de despejo de conhecimento.

Fora da sala de aula, o problema continua: eu não tenho coragem de usar um notebook, ou mesmo um tablet, dentro de um ônibus. E isso que eu moro em uma cidade relativamente pacífica (não me recordo do último assalto à ônibus aqui); até mesmo carregar um notebook em uma cidade maior pode transformar a pessoa em uma vítima de bandidos (que provavelmente irão roubar o notebook não pensando nos dados da pessoa, mas sim em trocar por uma pedra de crack - mas isso não é o tópico deste post).

Quanto aos e-books? Começa passando pelo problema dos direitos autorais. Daqui a 20, 25 anos, nossos filhos não poderão ler os e-books que nós líamos em 2010, porque a licença venceu. E se você quer quebrar o DRM? Boa sorte, ladrão de propriedade intelectual. Enquanto aqueles que continuam com o livro em papel, poderão ter retrocompatibilidade pelos próximos infinitos anos.

Depois: o e-book não se presta a anotações. Quando eu leio/estudo, gosto de ir puxando setinhas, anotando ideias nas margens da página, sublinhando, etc etc... , tudo isso que um e-book não me fornece.

Um caderno e uma caneta podem não serem cool, podem não ter uma App Store nem serem multitarefas, mas desempenham o trabalho deles muito bem. E nenhum tablet irá tão cedo substituí-los. Assim como o velho e bom livro em papel.

O papel pode não ser sustentável (buzzword do momento), pode não ser fácil de arquivar, mas é extremamente eficiente para aquilo que se propõe: não tem e nem suporta DRM, pode durar séculos se bem-conservado, não tem incompatibilidade de formatos etc.... Continua sendo o melhor amigo do estudante.

[1] E de fato, essa foi a argumentação para o CPD da universidade onde estudo não colocar mais pontos wireless: o problema dos heavy users, que ficam consumindo toda a banda. Ou foi uma desculpa para "não queremos colocar filtragem porque vai dar trabalho"?

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