terça-feira, 25 de outubro de 2011

Sustentabilidade como ideologia? Pensamentos

"Como eu sei que a sua empresa é amigável ao meio-ambiente?"
"O vocabulário, a tipografia, as fotos de natureza no panfleto."

Como premissa desse post, entendo a sustentabilidade como algo que almeja ser um estilo de vida, uma nova forma de pensar o mundo e as relações das pessoas inseridas neste; ela tem, ou quer ter, o objetivo de ser um contraponto ao capitalismo selvagem, ao consumo desnecessário e desenfreado, e ao lucro excessivo obtido a qualquer custo - ao mesmo tempo em que se mantém o compromisso com a verdade e a responsabilidade. Então, proponho alguns questionamentos sobre esta como ideologia.

Por quê tantas pessoas que se orgulham de ser sustentáveis não resistirão ao próximo lançamento da Apple (ou de qualquer outro fabricante de gadgets) ou a comprar produtos fabricados de forma limpa - mesmo que elas não precisem deles? Continuam com o mesmo estilo de vida, mas agora mais verdinho, só pra combinar com aquelas roupas feitas de material reciclado que elas comprou para ajudar: não vejo nada de ecologicamente correto nisso. Na verdade, o "limpo" virou uma plataforma de marketing, alimentada por uma "indulgência": posso consumir sem culpa, afinal (teoricamente) não estou poluindo.

E ela é excelente nesse aspecto, se ignorarmos o greenwashing. É possível ver sustentabilidade em uma obra faraônica que desaloja centenas de pessoas ou em um condomínio de luxo com um nome "verde", que fomenta a especulação imobiliária e complica a situação da mobilidade urbana - afinal, ônibus "de pobre" não entra? Improvável, e não vai ser plantando arvorezinhas e abraçando causas sociais que isso vai magicamente se tornar sustentável.


É possível ver "sustentabilidade" num banco que financia projetos pintados de verde, ao mesmo tempo em que enriquece o quadro de diretores (assim amplificando as desigualdades sociais) e cobra tarifas abusivas de seus correntistas? Sinceramente, acho impossível.

Por sinal, as causas sociais viraram uma excelente muleta: não posso deixar de negar a importância de algumas delas (principalmente as que encontram embasamento em ONGs, projetos de universidades etc...), porém elas não anulam os problemas sociais e ambientais causados pelas atividades de certas empresas; podendo inclusive servir como uma excelente fachada - quem se importa se poluímos? olhe, ajudamos vários projetos!
Mas a nossa empresa está dentro da lei ambiental. Não, ela não é sustentável por isso: ela está cumprindo a obrigação dela, da mesma forma que ninguém se torna heroi por cumprir a lei. Ou, em outras palavras: não somos criminosos - é adequado dizer isso? Tire suas próprias conclusões sobre essa afirmação, colocada em um anúncio ou no material institucional de uma empresa.

Nisso também entra o aspecto da verdade: produtos sustentáveis, cujo funcionamento e eficiência sejam fundamentados em conhecimento racional, não empregando pseudociência, linguagem obscurantista etc... Onde o mecanismo que os torna "limpos" seja documentado, explicado e pronto para qualquer pessoa que queira inspecioná-los.

E mesmo que tudo esteja dentro da lei, existe o contraponto que eu afirmei no primeiro parágrafo: há sustentabilidade nas operações da empresa se houver um lucro abusivo e trabalhadores sendo mantidos em péssimas condições - ou seja, as mesmas infelizes condições de boa parte da indústria? 

No que toca o aspecto das relações entre pessoa, sociedade e meio, faz sentido o respeito ao meio-ambiente se não respeitamos as pessoas que nele vivem e dele dependem, direta ou indiretamente - ou seja, todos? Não vejo coerência em alguém que repete o mantra salve o planeta ao mesmo tempo em que mantém posições fundamentalistas, intolerantes e reacionárias. Definitivamente, não há nada de "limpo" em defender pena de morte para vagabundo (como se pena de morte tivesse utilidade para reduzir a criminalidade - mas isso não é o assunto desse post) ou arrotar o nome de uma divindade como justificativa para o ódio a uma pessoa tão cidadã e tão ser-humana quanto qualquer outra.


Outro problema são as ideias mirabolantes, geniais e inviáveis. Claro que seria ótimo que todo mundo pudesse consumir produtos sustentáveis - é uma pena que isso dificilmente irá acontecer sem incentivos governamentais que não virão devido a um sistema de interesses - algo que gera lucro suficiente para resolver, ou apenas mascarar, os problemas ambientais gerados pelas atividades não-sustentáveis.

Ainda temos a questão da auditoria e da continuidade: plantamos X árvores para cada R$ X vendidos? Além de cair na questão da indulgência - oba! posso consumir sem preocupação, meu impacto ambiental será compensado - quem garante que essas árvores serão plantadas e mantidas? Desconheço qualquer instituto que faça isso.

Por fim, se a sustentabilidade é algo que traria ganhos para a sociedade toda, por quê tantas ideias, muitas vezes celebradas como para mudar o mundo, são vítimas de autores que as trancam sob as 7 chaves do direito autoral, das patentes etc...? Considerando a premissa que fiz no primeiro parágrafo, fechar o conhecimento é algo que passa longe de ser uma atitude sustentável, especialmente quando ele poderia beneficiar a humanidade.

A sustentabilidade, não é algo que se irá atingir apenas com pequenos esforços individuais, esparsos e dispersos, comprando produtos verdes, plantando arvorezinhas etc... Talvez ela seja atingida com mudanças de estilo de vida, infelizmente inacessíveis para muita gente - mesmo que elas tenham dinheiro - visto que é necessário desapegar-se de preconceitos e de ignorâncias diversas. Mas principalmente: ela irá precisar de uma mãozinha dos governos, o que dificilmente irá acontecer, afinal... o lucro a qualquer custo (neste caso, com os impostos) não tem nada de sustentável, por mais que se despolua, se replante, por mais que não se faça mais do que a obrigação.


Se quisermos ver ela acontecer, precisamos de soluções simples, de forma que qualquer pessoa possa empregá-las, e baratas, vindas de pessoas que não têm medo do compartilhamento de conhecimento.


sábado, 15 de outubro de 2011

De veículos elétricos

Vejo vários sites de tecnologia, de notícias etc... propondo o carro (e outros meios de transporte) elétricos como "o futuro". Porém, algumas considerações que acredito serem necessárias.

Primeiramente, temos os principais problemas do carro elétrico:

1. Não resolve o problema da mobilidade urbana

Congestionamento será congestionamento e ônibus superlotado será ônibus superlotado, mesmo com carros e ônibus elétricos. Acidentes de trânsito, motoristas que dirigem de forma ineficiente etc... continuarão existindo, e não será a tecnologia que irá resolver esses problemas.

Resolve-se (ou ao menos ameniza-se) o problema da poluição, mas não se resolve os problemas sociais e psicológicos que a confusão do trânsito traz, não se resolve a incomodação de pegar aquele ônibus superlotado andando devagar, quase parando. Somando-se a isso o fato de que as empresas de ônibus provavelmente irão querer compensar seus gastos com os novos ônibus... repassando isso para os usuários, sem melhorar o serviço. (tenho a impressão de já ter visto essa história antes, mesmo com veículos clássicos).

De nada adianta resolver apenas os problemas técnicos se ainda teremos que gastar energia passando mais tempo para encontrar lugar para estacionar do que fazendo o que precisamos, em um legítimo momento Classe Média Sofre.

Existe todo um problema da mobilidade urbana, que não será resolvido apenas pela tecnologia, mas esse é o assunto para um futuro post.

2. É realmente limpo?

Ele só será menos prejudicial ao meio ambiente na medida em que a energia elétrica que o alimenta for produzida de forma menos prejudicial ao meio ambiente.

Lembrando que falar em "energia limpa" é um excelente caso de greenwashing: visto que painéis solares são feitos de semicondutores (que demandam grandes quantidades de substâncias tóxicas para sua produção), turbinas eólicas são feitas com metais e outros materiais que exigem mineração etc.... considero que este termo deveria ser evitado. Tais fontes de energia são menos poluentes, mas definitivamente não são limpas - mas bem, isso não fica bom em uma campanha publicitária.

Zero emissão de carbono? Qualquer atividade humana gera carbono. Limpar isso com árvores? A única coisa que fica limpa é a consciência de quem planta: não adianta simplesmente sair atulhando tudo de árvores e não dar os cuidados necessários a elas.

Soma-se a isso o aspecto tóxico das baterias, que sofrem com vida útil limitada: a cada alguns anos é necessário trocá-las, o que incorre em custo financeiro e impacto ambiental. Nesse aspecto, o carro elétrico poderia inclusive ser mais tóxico que aquele movido a combustíveis fósseis.

3. Armazenamento de energia


A parte de motores e seu controle, a eletrônica de potência, e de sistemas embarcados está bastante avançada. Já é possível fazer motores de alta eficiência e controlá-los de forma precisa, porém o maior problema continua sendo as baterias.

Infelizmente, os combustíveis fósseis tem um alto poder energético em relação ao seu volume, o que os torna viáveis para veículos. Conforme a Wikipédia, a gasolina armazena 47 megajoules por kilograma (MJ/kg), enquanto mesmo as baterias de lítio-oxigênio (atualmente as mais avançadas) armazenam apenas 9 MJ/kg.

Como consequência, é preciso recarregar o carro após uma certa quilometragem, em uma situação ovo ou galinha: não há pontos de recarga porque poucas pessoas têm veículos elétricos, mas poucas pessoas têm veículos elétricos porque elas têm receio de ficarem sem carga no meio da estrada.

Recargas são lentíssimas se comparadas com encher o tanque em alguns minutos: que tal ter que esperar 3 horas a cada 300 km percorridos?

Claro que isso poderá mudar com o surgimento de novas tecnologias de baterias, mas isso ainda levará um bom tempo. E estaremos sempre limitados pelo peso delas.

4. Preço


Mesmo que todos os problemas anteriores fossem resolvidos, os carros elétricos continuariam sendo mais caros - mesmo com subsídios do governo. Inclusive, se mais pessoas consumissem tais veículos, o preço da gasolina poderia vir a baixar, assim incentivando aqueles que mantém seus carros comuns a continuar com eles - o tiro saiu pela culatra.

E não duvido que o poderoso lobby dos combustíveis fósseis não deixará tais auxílios acontecerem aqui: por que motivo o "país do pré-sal" iria incentivar pessoas a migrar para uma tecnologia que dá menos lucro às empresas de óleo?

Apesar de todas essas limitações e considerações, continuam existindo diversas vantagens nos carros elétricos. Algumas:

1. Possibilidade de desenvolvimento de tecnologia


Os veículos elétricos representam excelente oportunidade de desenvolvimento de novas tecnologias e de melhorias nas já existentes. Mecânica, eletrônica, eletrotécnica, geração e transmissão de energia etc... todos poderão se beneficiar.

Mas, para isso, é necessário que não nos contentemos simplesmente em comprar tecnologias prontas; e isso provavelmente será algo difícil de se ver, exceto para as grandes empresas que já têm o dinheiro (vindo dos veículos clássicos, do petróleo etc...) e o know-how para investir nessa tecnologia.

Soma-se a isso a necessidade de reciclar profissionais para se adaptarem à manutenção dos novos sistemas automotivos encontrados em tais veículos.

2. Economia para pequenos percursos


É bastante comum ver carros andando 8, 10km, dando pequenas voltas no uso cotidiano. Considerando que a gasolina custa em média R$ 2,70 o litro, e que um carro comum consome entre 10 a 12 km/L, pode-se fazer uma boa economia se a energia for gerada de forma barata. Sem falar que o problema da recarga deixa de ser relevante para esses pequenos percursos: posso carregar meu carro durante a noite e usá-lo durante o dia, por exemplo.

A energia inclusive pode ser gerada de forma local, através de paineis solares, turbinas eólicas, aproveitando-se pequenas fontes de energia, assim trazendo mais economia e potencialmente desenvolvimento e menores impactos ambientais. 

3. Conforto para os usuários

Motores elétricos podem ser bastante silenciosos, sem o ruído característico de um motor a combustão: um alívio para nossas ruas barulhentas. Isso poderia representar uma ameaça aos pedestres, o que levou vários fabricantes a desenvolverem sistemas de alerta auditivos.

Porém, nada (ainda) pode ser feito em relação aquela pessoa que gosta do ronco do motor do seu carro "tunado". Felizmente, essa é uma minoria: muitas pessoas agradecerão não precisarem mais ficar ouvindo aquela sinfonia rotativa na hora do rush.

 Concluindo, um transporte que dependa menos de combustíveis fósseis é uma coisa plenamente desejável, é claro, mas se for vítima do hype existente sobre toda nova tecnologia, ele traz o risco de não colaborar para resolver, ou até mesmo, agravar os problemas ambientais e sociais. Porém, corretamente planejado e executado de forma responsável, ele pode se demonstrar proveitoso para todos.

(foto: Chevy Volt Electric Vehicle, de Tom Raftery).