terça-feira, 15 de novembro de 2011

Parados no trânsito

O desprezo do governo federal, de governos estaduais e prefeituras pelo transporte público deve-se a uma coisa muito simples: nós somos um dos maiores mercados mundiais para carros, e também temos uma certa empresinha chamada Petrobras, que vende gasolina, diesel e álcool para mantê-los abastecidos - altamente lucrativa.

Porém, o transporte individual no Brasil se aproxima da saturação, de um ponto em que teremos que pernoitar no congestionamento, que teremos que pegar o carro às 5 da manhã para chegarmos às 8 no trabalho. Até mesmo as cidades pequenas já sofrem com isso, quem imaginaria uma cidade de 200 mil habitantes (tipo Santa Maria) com congestionamento? Pois é isso que se vê na saída da UFSM à tarde, e em algumas ruas e avenidas nos horários de pico.

Em boa parte isso é motivado pela nossa cultura: o ônibus é de pobre, requer que eu me misture com a gentalha. E sejamos sinceros, a bicicleta ainda é inviável em várias cidades, posto que não há infraestrutura adequada para elas - a menos que se queira correr o risco de um acidente causado por um motorista irresponsável.

Porém, outro lado é o do sucateamento de nossos transportes públicos. Empresas deitam e rolam com serviços de má qualidade, com ônibus superlotados que não atendem boa parte da cidade, tem pouca variedade de horários, ou os dois. Um exemplo: inexistem ônibus para meu bairro depois da meia-noite, se eu quiser sair e voltar de madrugada, obrigatoriamente preciso de um carro ou de um táxi. Já descrevi esse problema em outro post.

Forma-se um círculo vicioso: ninguém quer usar o transporte público pois ele é ineficiente e está mal equipado, mas não compensa investir nele pois muitas pessoas preferem (ou se veem obrigadas a usar) o transporte individual; ele não é lucrativo.

Soma-se a isso a distância entre as residências e os locais de trabalho ou estudo. Acredito eu que todos já tenham visto, ao menos em filmes, os suburbs americanos [1]: bairros ou condomínios fechados longe do centro das cidades, projetados para que toda a mobilidade seja feita de carro. Com o aumento dos custos dos combustíveis lá fora, esse modelo cada vez mais demonstra-se falho, além do impacto na produtividade causado pelo funcionário que já chega estressado por ter passado horas no trânsito. E no Brasil já não está muito diferente, vários condomínios são fundados longe dos locais de trabalho, sendo vitimados pela falta de transporte público.

Até agora as soluções propostas foram inefetivas ou assim se tornarão a curto e médio prazo, e algumas delas contribuem para piorar o problema ao mesmo tempo em que enriquecem o bolso de alguns poucos, ou que são facilmente burladas por esses mesmos.

Rodízio? Facilmente burlado por quem tem dinheiro para comprar outro carro, ou mesmo para quem pode comprar um segundo carro mais antigo (ou seja, menos eficiente) - o tiro saiu pela culatra, nesta última situação.

Grandes obras de infraestrutura? Funcionam a curto prazo, e servem como uma excelente forma de fascinar um povo que ama projetos faraônicos; mas a longo prazo, com o aumento do volume de veículos e do seu uso (novamente, motivado porque é fácil de chegar etc...), tendem a perder a efetividade, além de causarem grandes impactos ambientais - basta lembrar das enchentes que acontecem em regiões onde a absorção de água foi impedida pelo asfalto. Tais obras requerem, também, manutenção que raramente acontece de forma adequada.

A melhor solução que vejo, a curto e médio prazo, é repensar a necessidade de sair de casa. Eu realmente preciso ir até a faculdade para assistir 3 horas de aula de slides, baseada em leitura e debate de textos, há alguma objeção a fazê-las de forma eletrônica? Preciso realmente ir ao banco ou ao cartório entregar papeladas, por quê isso não pode ser feito pela internet? Se um funcionário pode trabalhar de casa, mesmo que seja um dia da semana, por quê não? (Embora saibamos que trabalhar de casa não é tão simples quanto parece - assunto para outro post, porém)

Outra ideia importante é o transporte público como direito universal, algo tão acessível que torne o transporte pessoal desnecessário no dia-a-dia. Infelizmente - sejamos dolorosamente realistas - isso não acontecerá tão cedo, dados os sistemas de interesses envolvidos no processo: que governo iria atentar contra algo que lhe dá grandes lucros financeiros? Nenhum em sã consciência.

O excesso de carros nas ruas não é lucrativo (no aspecto financeiro e no aspecto social) a ninguém, exceto às montadoras e às petrolíferas - aquelas que movem o Brasil, mesmo que seus funcionários fiquem horas parados para chegar ao trabalho, e já cheguem estressados e cansados. Só os executivos, diretores etc... que chegarão de helicóptero para aquela reunião importantíssima.

Enquanto isso, continuemos comprando carros maiores e mais confortáveis para podermos passar mais tempo no trânsito - longe das ruas vazias, onde se pode andar em alta velocidade, que as propagandas mostram. E nos orgulhemos dos maiores congestionamentos do mundo!

[1] Não traduzi como subúrbio pois essa palavra tem uma conotação um pouco diferente em português.

(Foto: Engarrafamento na Marginal Pinheiros, São Paulo. Congestionamento - Wikipédia)

domingo, 13 de novembro de 2011

Platitudes diversas

Uma palavra bem interessante que descobri esses dias: platitude. Segundo o  Wikicionário, significa um comentário aparentemente inteligente, porém banal, raso. E perfeitamente adequado para descrever o uso de algumas outras palavras e expressões que vemos por aí.

A primeira, e a mais empregada, delas, é a tal da consciência. A moda é ser consciente. É conscientizar. Colocar essa palavra em qualquer sentença é bem eficaz para passar a ideia de engajamento. Mesmo que essa consciência seja apenas no momento em que se compartilha uma foto no Facebook. Consciência se veste como quem veste uma camiseta de marca - e é tão profunda quanto uma. Mas afirmar que está consciente de um problema qualquer é bonito, tem uma beleza oculta que palavras como conhecer, entender etc... não têm.

Outra grande platitude é aquela que permeia as marchas contra a corrupção, pelo meio-ambiente etc...: alguém em sã consciência é a favor da corrupção (excetuando aqueles que por ela são beneficiados)? Alguém que tenha o mínimo de inteligência (excetuando-se aqueles que deliberadamente a desligam para lucrar mais) é a favor da destruição ambiental? Atiram em todas as causas ao mesmo tempo, e não acertam em nenhuma. Mas tudo bem, é bom para a sofrida e escorchada Classe Média.

Também temos aquele discurso comercial recheado dessas, empregando-as como se fossem grandes inovações: Otimizar. Disponibilizar. Dinamizar. Sustentabilidade. Inovação. Empresas pagando grandes somas para assessorias de imprensa escreverem que Objetivando dinamizar o mercado, a Padaria do Zé oferece um novo conceito em pão.... Como se impactar (de forma positiva ou negativa) o mercado não fosse o objetivo de qualquer empresa, e como se disponibilizar produtos e serviços inovadores, de forma eficiente e sustentável, não fosse o que todas as empresas fazem (ou ao menos fingem).

Quase qualquer discurso político tem um delicioso recheio de platitudes. Melhorar a cidade/estado/país através da educação/saúde/indústria etc... são falados de forma pomposa. A criminalidade é um problema; também o são a corrupção, o meio-ambiente e as desigualdades sociais. Deixam em aberto como isso será (se é que será) feito - resolvê-los é atribuição básica de um político, e não uma meta em si. Mas isso cai bem nos discursos deles: se no mandato de um prefeito, 3 pessoas em uma cidade de 100 mil deixarem de ser pobres, tecnicamente, isto é uma melhoria.

E a auto-ajuda? Basicamente um conjunto de platitudes embebidas em um discurso obscurantista, sendo vendidas como conhecimento profundo e secreto. Palestras de motivação: não se deixar abalar pelos erros, procurar conhecimento etc... Regras foram feitas para serem quebradas, e Deus ajuda quem cedo madruga. Fica bonito vindo da boca de um palestrante, não acham?

Platitudes são uma ótima ferramenta para parecermos intelectuais, cultos, profundos, engajados, para nos escondermos sob um discurso, ou mesmo se quisermos ser demagógicos e manipuladores. E enquanto isso, continuemos objetivando disponibilizar melhorias sociais sustentáveis de forma consciente, para vencermos os desafios, pois afinal a fila anda.