quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

O mimimi da orkutização (ou "Não se misture com a gentalha")

Vejo um grande falatório resmungão sobre orkutização de tudo. Tudo banalizou, perdeu-se uma suposta exclusividade que existia antigamente (existe exclusividade naquilo que é fabricado em escala industrial?). Qualquer coisa, quando cai no gosto popular, se torna magicamente ruim. Tudo precisa ficar no underground para sempre, pois existe o risco do povão estragar tudo.

Não se aplica apenas a serviços on-line
: pode ser uma marca, pode ser uma banda ou um programa de televisão, se passa na TV ou é lançado no mercado brasileiro e está disponível, vai orkutizar, vai atrair posers, entre outros adjetivos. Inclusive, já vi pessoas que deixaram de ser fãs de bandas justamente porque essa mesma banda se tornou popular. (interessante esse tipo de "fã")

Primeiramente: é interessante ver que muitas pessoas que hoje reclamam dela são as que antigamente participavam de "jogo do add" no Orkut, são as mesmas que ficam segue que eu sigo no Twitter, que fazem de tudo para chamar a atenção na internet etc...


Elas se contradizem: se algo que elas julgam bom é desconhecido aqui, somos um país de pessoas sem cultura, sem bom-gosto, que só consome porcaria; mas se algo que elas gostam é conhecido aqui, banalizou, popularizou demais, o povão está consumindo, orkutizou. Se uma marca não está disponível aqui, reclamam que custa caro importar,  mas quando ela se estabelece aqui, ela vai banalizar. A culpa é de quem compra um iPhone ou um MacBook em 12 vezes no cartão.

Não quero que serviços online e produtos sejam exclusividade de algumas pessoas: pelo contrário, eu quero que eles sejam acessíveis para todos. Que internet seja algo ubíquo, tão comum quanto a eletricidade e tão banal quanto acender a luz. Tudo isso dá motivos para a criação de novas tecnologias, de concorrência, faz o mercado funcionar e impede que empresas fiquem na sua zona de conforto, vendendo apenas para uma elite. Com algumas exceções, por que uma empresa iria lançar um serviço se não para que ele atingisse as massas e portanto maximizasse o lucro dela?


Por sinal, fico perguntando: e se uma dessas pessoas fosse a criadora de um serviço, ela não gostaria de ver ele sendo usado pelas massas, sendo divulgado, e trazendo mais retorno? Ela realmente gostaria que o serviço dela ficasse restrito a uma pequena camada de pessoas? A mesma coisa com música, arte etc.... Eles realmente gostariam que a banda deles não ficasse conhecida? Que o produto deles não deslanchasse e não vendesse bem?

Sim, algumas coisas que muitas pessoas compartilham são desagradáveis: também não gosto de gente colocando fotos de animais mortos, em redes sociais, e nem de gente que se sente na incumbência de dar retweet em tudo que vê no Twitter e de compartilhar centenas de memes por dia. Para isso, essas redes sociais fornecem ferramentas que me permitem selecionar o conteúdo relevante. Unfollow, cancelar assinatura, ou mesmo deixar de frequentar um site.

É chato ver coisas escritas incorretamente? É, a ponto de muitas vezes eu desistir de ler algo por erros de português ou inglês. Mas os reclamões falam como se apenas brasileiros falassem errados, o que é uma grande inverdade: pessoas de vários outros países também escrevem errado (é comum ver indianos, paquistaneses, entre outros, massacrando o inglês em fóruns, listas de discussão etc...).

É cansativo ouvir a mesma música tocando direto no rádio ou na TV? É. Mas não lembro de ter perdido o direito a trocar de canal ou de baixar o volume.

Cada vez mais a história de orkutização soa como uma desculpa para quem quer uma exclusividade que nunca existiu. Um resmungo de classe-média-sofre, que tem medo de ver alguém inferior com os mesmos direitos do que ela, que tem medo da mudança na distribuição de renda. Um excelente pretexto para pessoas tão iguais, tão padronizadas, que precisam consumir para se sentirem superiores.


Por fim, lembremos que em redes sociais, quem escolhe as amizades é você, o mesmo valendo para toda a internet. O Facebook está cheio de gentalha? O Twitter está cheio de gente chata? Simples: basta não seguir ou não manter relacionamentos e todos ganham, exceto quem perde a sua razão de reclamar. Não aguenta mais ouvir falar do Big Brother ou da Luiza que voltou do Canadá? Simples, basta procurar outros assuntos.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Os interesses de uma SOPA indigesta

Recentemente vimos a lei SOPA, que daria grandes poderes para o combate à pirataria (aham, de boas intenções o inferno está cheio), e entre seus defensores estão as gravadoras, estúdios de cinema, companhias de televisão a cabo etc... e outras centenas de moscas - a partir disso fica bem claro o sistema de interesses por trás desta legislação.

O interesse do combate à pirataria, embora por vezes ele use o pretexto do roubo de propriedade intelectual (embora eu nunca tenha visto roubo que não prive a vítima do objeto roubado), não é apenas proteger a inovação, a indústria, ou combater a falsificação, mas também transformar a internet em uma televisão onde só passem conteúdos autorizados. Conteúdos esses que refletem o pensamento dominante e impedem qualquer crítica (que pode ser derrubada através de denúncias de violação de propriedede intelectual ou de marcas registradas).

Exatamente pois esse é o maior medo dos grandes conglomerados da informação e do entretenimento: informação independente, muitas vezes produzida com recursos de uso comum: uma câmera digital que custa algumas centenas de reais, um computador pessoal, ou mesmo um celular ou smartphone com uma câmera boa o suficiente - para narrar o desenrolar de um evento, pode ser mais eficiente e mais dinâmica que uma câmera profissional.

Não preciso ter dinheiro para escrever e publicar um blog ou um livro, ou distribuir um filme amador ou semiprofissional, nem preciso pagar jabá para tocar minha música em uma rádio - a internet possibilita todo esse poder. Tudo que a grande mídia não gostaria de ver: pessoas produzindo conteúdo que reflete a realidade delas, e não a utopia que ela quer passar.

A desculpa da proteção à propriedade intelectual serve como uma fachada para a repressão: não gosto de críticas a minha empresa? Basta eu alegar que o autor desta crítica está violando minha propriedade intelectual. Simples, e com a SOPA se tornará mais rápido ainda: elimina-se toda a diligência necessária. Torna-se mais fácil condenar alguém por pirataria do que por qualquer outro crime. Torna-se perigoso para sites de ambientalistas, de ideologias que não a dominante, etc...

Por exemplo, que tal a Rede Globo tirando do ar qualquer blog que critique o Big Brother, as novelas etc... e use trechos destes programas para exemplificar? Que tal a Igreja usando esse instrumento legal para tirar sites ateus do ar? Tudo isso se torna possível com legislação deste calibre.

O problema da pirataria existe? "Existe" (muito embora não lembre de nenhuma grande empresa ter falido especificamente por ele), sendo principalmente prejudicial para o software livre e o copyleft, e legislações malucas apenas contribuem para agravar o problema. Já notaram que qualquer esquema de proteção é quebrado rapidamente, e ainda assim, empresas insistem neles - os piratas burlam sem dificuldades enquanto os usuários são vítimas de DRM e afins.

Pirataria não se conserta com leis malucas ou aceitando a derrota e comprando licenças de software a preço de dumping. O único caminho para reduzi-la é a adoção maciça e irrestrita do software livre e do copyleft em tudo aquilo que é público - abrindo o caminho para mostrar que existem alternativas à pirataria. E, potencialmente, formando uma geração que vá além de simplesmente consumir tecnologias proprietárias.

Estranhamente, Microsoft, Adobe e outras eram a favor da SOPA, mas viraram a casaca. Não apenas por pressão externa, mas sim porque a pirataria é parte do modelo de negócios delas: só graças à pirataria é que o Windows é o sistema operacional mais utilizado e que softwares tornam-se metonímias ("faz um Photoshop na minha foto", "entra no MSN").

domingo, 15 de janeiro de 2012

Windows em ARM? Não tão simples assim


[Avisos: 1) post bastante técnico 2) 'x86' refere-se de forma indistinta a CPUs de 32 e 64 bits, a menos que o contrário seja dito]


Na CES 2012 e em outros eventos, foram demonstrados tablets baseados em processador ARM rodando o Windows 8. E alguns analistas já demonstraram seu ceticismo perante esta plataforma. Infelizmente, para quem sonha em ter um sistema operacional unificado entre diversos dispositivos, as coisas não são tão simples; neste post faço algumas considerações sobre o Windows em arquiteturas não-x86.

O principal problema: falta de aplicativos para sistemas Windows baseados em ARM. Claro, muitos programas baseados em .NET, ou outras linguagens interpretadas, poderão (teoricamente) rodar com poucas modificações, mas como fazer com programas complexos escritos em C ou C++, os quais nem sempre são portados de forma simples? Não é só dar um ./configure; make ou ir no menu da IDE e mandar compilar. No Google achamos diversos relatos de problemas de compilações em ARM.

Por sinal, a Microsoft já anunciou que apenas aplicativos Metro irão rodar em tablets ARM. Ou seja, isso evita vários dos problemas anteriormente mencionados, mas traz outros: quantos desenvolvedores irão portar seus programas para essa nova tecnologia? Empresas que desenvolvem para os 3 maiores sistemas operacionais irão querer dar suporte para mais um? Incerto.

A Microsoft já flertou com outras arquiteturas de processadores na época do Windows NT: o Windows NT 4 executava nas arquiteturas Alpha, PowerPC e MIPS. Porém, foi apenas uma curtição para tentar tomar parte do mercado do UNIX, e o Windows nessas plataformas sempre teve suporte deficiente no aspecto do software: não haviam aplicativos pois não havia mercado, e não havia mercado pois não haviam aplicativos - caindo naquele velho paradoxo do ovo ou a galinha.

Em tablets, ainda há espaço para tentar coisas novas (ninguém reclamou que o iOS ou o Android não rodavam os mesmos programas do desktop), mas no desktop - se é que um dia veremos desktops ARM sendo vendidos para o grande público, a situação é pior ainda: retrocompatibilidade e bom suporte a hardware, coisas que o Windows em x86 fornece de forma aceitável, são premissas, não luxos adicionais. Seria interessante que a Microsoft higienizasse o Windows e tirasse os legados? Certamente, inclusive iria resolver diversos problemas de segurança, mas às custas de incomodar os usuários.

Por fim, há o ponto de vista do usuário: ele vai ver "Windows 8" no desktop (x86) e no tablet (ARM) e vai presumir que ambos são exatamente iguais... exceto que não são. Isso pode potencialmente causar frustrações e dores de cabeça: "por que esse programa roda no meu desktop e não funciona no meu tablet?". Cria-se um 'fork', uma distinção que pode causar inconveniências.

E o Linux, como fica? Fica bem para aplicações específicas - eu não me importaria em ter um Linux rodando em ARM como servidor de arquivos ou para passar vídeos na minha televisão - mas tendo em vista que ele já apresenta deficiências em hardware comum (especialmente em dispositivos móveis), quem dirá em ambientes mais exóticos? Além disso há a falta de codecs e de plug-ins propretários (Flash, Java etc...), sendo que um port deles depende da boa vontade dos fabricantes.

A história de Windows rodando em dispositivos móveis e em outras arquiteturas não-x86, ainda é muito nebulosa e bastante questionável: não creio que vá ser algo suave e "just works", que será um sucesso de público como o iOS é no tablet ou o Android é no smartphone.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Reflexões sobre revistas de informática

Recentemente, estava refletindo sobre o fato da grande mídia nunca noticiar sobre o software livre e as licenças de copyleft como alternativas à pirataria, tampouco falarem sobre DRM, guerra de patentes etc.... o que me leva a algumas considerações sobre o jornalismo de tecnologia, especificamente nas revistas.

Nos anos 80 e 90, era comum vermos artigos extensivos em revistas: páginas e mais páginas de benchmarks entre diversos softwares competidores. Era interessante pois cada avaliação vinha com um comentário aprofundado, explicava a metodologia empregada para o teste e suas limitações etc... Pode ser que não fosse imparcial, mas certamente era muito melhor do que as revistas atuais. Coisas que eram extremamente bem-vindas, afinal um computador era caríssimo, a internet era inexistente ou limitada, dificultando o feedback e a troca de opiniões.

Porém atualmente, o que vemos são verdadeiras revistas de gadgets e de tendências: apps que você precisa para seu dispositivo com iOS. Como ganhar dinheiro com o Facebook ou como ser o próximo Zuckerberg. Benchmarks de notebooks caríssimos que estão fora do seu alcance (aham, Cláudia, aham que alguém gasta R$ 9 mil em um notebook). Ou mesmo revistas de fofocas: temos uma foto em baixíssima resolução do iPhone 5 e vamos especular sobre os possíveis recursos. Fulano de Tal fez tal coisa no Twitter e conseguiu 500 mil seguidores. Nada muito profundo.

Comentários mais técnicos, mais aprofundados? São raridade. Comparativos honestos entre softwares - tanto livres quanto proprietários - onde qualquer pessoa tenha acesso à metodologia usada para fazê-los? Idem: benchmarks se restringem a quantos FPS conseguimos com tal jogo. Discussões sobre aspectos éticos e sociais da tecnologia? Inexistem ou são bastante rasas - até porque discussões mais profundas provavelmente causariam a ira de muitos anunciantes - a Microsoft não gostaria de ver um anúncio seu do lado de uma matéria na qual está sendo analisada a questão do DRM e das patentes de software.

Por sinal, pergunto-me: comparativos de softwares ainda são relevantes? Talvez fossem importantíssimos na época da internet discada, onde um download de 50 MB levava uma tarde toda, mas atualmente posso baixar vários programas, instalar em máquinas virtuais recicláveis e tirar minhas próprias conclusões - tudo isso em pouco tempo. Se eu precisar de um software para alguma coisa, procuro no Google e na hora acho resenhas e comparativos; ou acompanho blogs nos quais frequentemente acho sugestões e ideias interessantes.

Finalmente, uma revista mensal é inadequada para uma área onde tudo pode mudar em questão de semanas. Não me interessa saber que mês passado saiu a versão nova de X, quando um blog já noticiou isso assim que X saiu. E tampouco adianta fazer uma "edição digital" que se comporte exatamente como uma edição física: recursos fundamentais de revistas digitais são índices, poder copiar e colar, links que funcionem. Cada vez que você gera um PDF sem índice, um bebê foca morre.

Felizmente, satisfaço essas necessidades com blogs e fóruns excelentes: Phoronix, Linux TodaySlashdot, BR-Linux (inclusive costumo dizer que meu dia não começa sem que eu tenha lido o BR-Linux e o Slashdot), entre vários outros que leio por RSS.

Sinto falta de revistas feitas para quem emprega tecnologia profissionalmente no seu dia-a-dia. Revistas que se aprofundem em assuntos interessantes e relevantes ao usuário profissional, e não simplesmente a quem folheia um catálogo de brinquedos eletrônicos. Revistas feitas para serem apreciadas, com conteúdo para aprendizagem e aplicação, e não simplesmente para irem para a sala de espera do dentista depois que eu terminei de ler.
 
Aliás, entro no site de uma certa revista e uma das notícias mais lidas é... o lugar onde o Zuckerberg passou o Reveillon. Estou lendo uma revista de tecnologia ou uma Caras do mundo nerd? (aliás, uma revista de fofocas do mundo da informática se chamaria T.I.-T.I.-T.I.? :)




Créditos da foto: Tim Malone