terça-feira, 24 de dezembro de 2013

"Não serve para nada"

(Obs.: Nesse texto vou me manter nas exatas, considerando que é a área na qual mais me envolvo, porém muitos dos argumentos podem ser adaptados para as humanas e as sociais)

É relativamente comum ver pessoas reclamando de pesquisas que não servem para nada. Estão jogando dinheiro público fora, reclamam. Estão gastando dinheiro em pesquisas enquanto pessoas morrem de fome, dizem.

Ignorando os óbvios erros de raciocínio (a saber: não são as pesquisas que causam a fome mundial, e um país cuja sociedade vê pesquisa como 'jogar dinheiro fora' está condenado ao atraso), simplesmente: a pesquisa não tem nenhuma obrigação de servir para alguma coisa quando isso não é o objetivo dela.

Muitas pesquisas básicas podem não ter aplicação hoje, mas terão amanhã: sem a mecânica quântica você não estaria lendo esse blog, pois não existiria a microeletrônica, e também estaríamos atrasados na química, na biologia e na medicina (esqueça o diagnóstico por imagem, por exemplo). 

Sem o desenvolvimento da matemática, em áreas como a lógica e a criptografia, não teríamos a computação. Nada do que você usa existiria, não fosse pelas muitas pesquisas que criaram uma base para permitir o desenvolvimento dessas. E já que eu falei em matemática, neste post no Math Overflow encontrei uma lista de aplicações de diversos tópicos da matemática: divirta-se.

Todas essas áreas não tinham aplicação, ou mesmo não existiam, até uns 100 anos atrás. Nada impede que o que não tem aplicação hoje sirva amanhã para, por exemplo, possibilitar viagens no tempo, o teletransporte, ou (sendo mais realista) uma nova forma de projetar equipamentos, de diagnosticar e curar doenças, etc...

E por sinal, muitas dessas teorias nasceram da necessidade de resolver problemas reais. Surgiram da necessidade de justificar fenômenos que a teoria anterior - embora correta até certo ponto - não explicava, ou do desejo de uma forma mais eficiente de resolver um problema. A pesquisa básica realimenta a pesquisa aplicada, e vice-versa.

Infelizmente, essa mentalidade já faz parte de uma cultura imediatista, onde tudo é pautado pela necessidade de dar dinheiro, de ser disruptivo, de mudar o mundo, de gerar grandes sucessos (onde define-se sucesso por ter status, ser influente e ganhar dinheiro). E que, pelo andar da geração Y e posteriores, tão cedo não vai mudar. Mas divago.

A segunda crítica (... gente morrendo de fome ...) é bem comum quando se fala em exploração espacial. Ignora-se toda a pesquisa envolvida nas missões e sondas enviadas para outros planetas. Sem a exploração espacial, você não estaria usando comunicações sem fio e você teria que jogar fora boa parte da aviação (a qual se beneficiou dos sistemas de alta confiabilidade necessários para exploração espacial) - além de outras áreas onde são usados sistemas críticos.

Além disso, essa crítica coloca nos cientistas uma culpa que não é deles, ao mesmo tempo em que ignora que os governos cada vez mais reduzem seus orçamentos para ciência, ignora as dificuldades do fazer ciência, entre outros problemas de um pensamento imediatista. Ignora que a fome e outros problemas da humanidade, em si, é um problema principalmente social, político e econômico, não tecnológico.

E para piorar, ignora todos os benefícios da pesquisa científica a um país que nela investe: formação de profissionais capacitados, desenvolvimento de infra-estrutura etc...

Nenhuma pesquisa bem-feita (ignorando, obviamente, a pseudociência, a pesquisa feita sem planejamento adequado, sem rigor e sem objetivos claros etc...) serve para nada. Na pior das hipóteses, abre caminhos para novas pesquisas; mesmo um resultado de falha pode sinalizar o que não deve ser feito, o que não funciona. Pode ser que não se descubra um caminho novo, mas demonstra quais caminhos são sem saída.

Nem tudo requer uma aplicação instantânea: precisamos - como nunca - da pesquisa básica. É ela que, como o seu próprio nome diz, fornece a base para a inovação tecnológica; fornece ferramentas que poderão ser utilizadas em diversas áreas do conhecimento.

(Foto: Horia Varlan/Flickr, licenciada sob Creative Commons)

sábado, 30 de novembro de 2013

"Review": Moto G

Meu Galaxy Ace morreu há um tempo atrás. Edit: e o Moto G também morreu no dia 03/07/2015. 

Fiquei sem smartphone por um tempo, considerei vários modelos (Razr D3, Razr I, Nexus 4, Optimus L5/L7, e até pensei em dar uma chance à Nokia e seu Windows Phone) e felizmente eu não me precipitei em comprar: apareceu o Moto G.
tl;dr: Pelo preço, considero que é um ótimo aparelho (eu paguei a mesma coisa no meu antigo Ace lá em 2011). 

A maioria dos aplicativos roda perfeitamente (o único que rodou de forma não-ideal foi o Google Earth: notei lentidão no Street View), embora eu não tenha testado jogos pesados: testei Angry Birds, Candy Crush e mais alguns outros.

Não tive problema de crashes; talvez seja muito cedo para dizer, mas não tive problemas de travamento do aparelho (se comparar com o Ace, que bastava olhar torto para travar ou ficar lento).

O Android 4.3 dele é bem padrão, limpo, não padece das modificações realizadas por outros fabricantes. Integra perfeitamente com os serviços do Google.

A câmera é adequada: ao dar zoom na foto fica fácil ver que ela ficou pixelada, que ela perdeu detalhes. Para a maioria dos usos de smartphones (tirar fotos de comida para botar no Instagram e fotos no espelho para colocar no Facebook - aliás, nem precisa de foto no espelho devido à câmera frontal), é razoável. Bem que a Nokia podia licenciar a tecnologia de câmeras dela para os outros fabricantes ou largar o Windows Phone. Alguns exemplos de fotos tiradas com ele:








A câmera frontal não serve para muita coisa, a qualidade dela é baixa. Serve, no máximo, para tirar selfies para colocar no Facebook ou para conversar com vídeo no Skype. Exemplo de foto tirada com ela:


O que eu gostei:

  • Primeiramente: Android 4.3 com garantia de atualização para o 4.4. Só isso já foi um fator pesado na compra.
  • Desempenho excelente.
  • Android limpo (não vem com um apps, a única coisa que vem nele - além dos aplicativos Google - é o (HUEHUEHUEHUE BR BR) BR Apps necessário para a isenção fiscal).

    Justamente isso evitou a necessidade de fazer root: lembro que a primeira coisa que eu fiz no meu Ace foi rootear para arrancar as apps que a Samsung enfia.
  • Duração de bateria. 30 minutos ouvindo música e navegando na internet via 3G e a bateria foi de 100% para 90%: no meu Ace ela já estaria em 70% no máximo. Para um perfil de usuário médio, a bateria aguenta facilmente um dia inteiro.
  • Reconhecimento de voz funciona bem, embora seja um tanto quanto desconcertante falar sozinho e o OK Google Now não seja suportado devido ao hardware necessário (é necessário entrar na app do Google Now).
  • O GPS conseguiu encontrar os satélites com facilidade, coisa que no Ace levava minutos. 

O que eu não gostei:

Obs.: Não vou colocar 'não aceita SD' por que eu comprei ele sabendo dessa limitação, não foi surpresa alguma.
  • O principal problema: suja fácil. É quase obrigatório andar com um paninho para limpeza.
  • Capinha traseira horrível de tirar (só com uma faca ou uma ferramenta mesmo, é muito fácil quebrar a unha no processo).

    Como a bateria não é removível, isso não vai fazer muita diferença, mas talvez não sirva para quem troca freneticamente de chip.
  • Os fones de ouvido que vem com o aparelho são apenas aceitáveis, qualquer pessoa que queira ouvir música mais a sério vai ter que comprar um fone melhor.
  • Bateria lenta para carregar (mais de 3 horas). 

Mas são problemas (excetuando o da bateria) menores e facilmente contornáveis. Para quem usa Linux, boa sorte: ele ainda não é suportado pela libmtp (biblioteca que faz o meio de campo entre o Linux e o dispositivo) e o Android 4 não suporta mass storage (fazer o smartphone aparecer como um pen drive).

Ou seja, ele nem mesmo é reconhecido e talvez não carregue (edit: o problema se resolve se você der boot/reiniciar o PC com o aparelho conectado).  Como workaround, dá para usar o AirDroid para enviar arquivos.

O bug já está relatado: estou com a impressão que é só recompilar essa biblioteca com o device ID do Moto G, mas ainda não testei (nem sei como eu faria isso no Ubuntu sem ferrar o resto do sistema).

Tirando isso, o aparelho é ótimo. Arrisco dizer que é um dos melhores custo/benefício disponíveis no mercado brasileiro hoje (12/2013).

domingo, 6 de outubro de 2013

Da falibilidade (e outras coisas) da ciência

Recentemente, foi noticiado que uma pesquisa falsa tinha sido aceita em diversos periódicos científicos. E outros problemas nas publicações científicas não são de hoje: 5 minutinhos lendo o Retraction Watch demonstram que apenas estamos vendo a ponta do iceberg.

Para quem acompanha o mundo científico, lê artigos etc... não é de hoje: que atire a primeira pedra quem nunca esbarrou em um artigo pessimamente escrito, com introduções que não introduziam, erros graves de argumentação, gráficos e diagramas ilegíveis, desenhos que não seriam aceitos nem em uma aula na 4ª série, falta de tratamento estatístico de resultados. E o pior foi ver isso em um periódico peer-reviewed.

Existem periódicos que se dedicam a publicar qualquer coisa: pagou, passou. O seu nome aparece em um periódico parecido com o de algum de alto fator de impacto, você tem seus nanossegundos de fama, e você pode dizer que publicou internacionalmente.

Aliás, se o seu sonho é publicar algo na Nature ou Science, mas você é um mero mortal, não se preocupe: publique na Nature and Science e tenha seu artigo do lado de deliciosas pérolas, como um suposto experimento para provar a existência de matéria escura, no qual seus autores confundem matéria em uma sala escura com matéria escura!

Voltando ao ponto principal: a ciência não é infalível, não é implacável, não é isenta da possibilidade de corrupção e fraude, afinal, ela é feita por seres humanos facilmente subornáveis. Ainda fica pior quando se envolvem interesses financeiros (bolsas, financiamentos de pesquisa etc...) - tanto é que as ciências onde menos se vêem problemas éticos são as puras (matemática, física, filosofia...), visto que elas não lidam diretamente com dinheiro e um teorema ou descoberta de um novo fenômeno físico não vai gerar uma patente ou um copyright facilmente.

A revisão por pares também é feita por seres humanos: erros e omissões naturalmente acontecem, porém alguns se corrompem por interesse. Eu posso muito bem pedir para o meu amigo revisar meu artigo (leia-se: aprovar direto). Vira uma enorme troca de favores.

Soma-se a isso o fato da pressão por resultados (publish or perish), a necessidade absurda de mensurar a produtividade por meio do fator de impacto (leia-se: quantos artigos Fulano publicou e quantas vezes foi citado) e outros fatores: prato cheio para fraudes - que seriam desnecessárias se a ciência não estivesse tão profundamente metrificada.

Tudo isso foi criado, em grande parte, pela necessidade de publicar cada vez mais e de fatiar uma pesquisa em infinitas partes (a Salami Science), as quais formarão uma centopeia de citações. Oba! Meu fator de impacto aumentou!

Pela voracidade do modelo atual, perdeu-se a possibilidade de fazer uma pesquisa profunda, algo que exija anos de dedicação, algo que gere um impacto do tamanho do trabalho de um Einstein ou Darwin.

Por fim, aquele que eu julgo ser o principal problema: muitos resultados publicados não são reprodutíveis, por diversos motivos: materiais e métodos incompletos ou inacessíveis, não se divulgaram os algoritmos usados para tratamento dos dados/simulações/etc... e tampouco o código-fonte está disponível.

Embora a tecnologia já exista e seja usada com sucesso para desenvolver software/hardware livre, para colaboração entre equipes etc... poucos cientistas as adotam.

A ciência não é infalível, justamente por ser realizada por seres humanos. Mas podemos reduzir o índice de falibilidade dela: a solução para isso é a mesma solução necessária à política, à economia, etc...: transparência. Tema sobre o qual já falei antes.

Dados abertos e uso/desenvolvimento de software livre, como atividades preferenciais/mandatórias e não como a exceção. Deixar claro que o pesquisador X recebeu uma bolsa do instituto Y ou que a pesquisa sobre Y foi patrocinada pela empresa Z. Ah, e jogar fora o produtivismo e o vício em mensurar todas as atividades.


Fonte da imagem: The Puzzler | Flickr (CC BY).

sábado, 28 de setembro de 2013

Revisitando velharias: Duke Nukem 3D no Linux nativamente

Esses dias eu fui tomado pela nostalgia de jogar Duke Nukem 3D, um dos primeiros jogos que eu joguei em um PC.

Por sinal, esse foi um dos jogos que alimentou a discussão de "jogos deixam as pessoas violentas?" no Brasil: provavelmente vocês lembram do Atirador do Cinema.

Não chegamos a um consenso até hoje, e provavelmente nunca chegaremos, mas tudo bem, não é o ponto deste post. Apenas recomendo que não saiam atirando aleatoriamente por aí.

No DOSBox ficou lento (não sei por que - nunca me acertei com o DOSBox), então resolvi jogar nativamente no Linux. E de quebra, eu já teria como usar resoluções mais altas.

Quem vai fazer a mágica para nós é a EDuke32, uma port da engine do Duke Nukem para Linux. Foi testado no Linux Mint 15, mas provavelmente funciona nas outras distribuições, em último caso vai ser necessário compilar. E funciona em Windows/Mac também.

Primeiro, você obviamente vai precisar do jogo. Não vou colocar links de download aqui mas se acha facilmente no Google.

Após, instale a EDuke32. No Mint/Ubuntu, coloque no /etc/apt/sources.list:

deb http://apt.duke4.net quantal main
deb-src http://apt.duke4.net quantal main

e adicione a chave pública do repositório deles:

wget -q http://apt.duke4.net/key/eduke32.gpg -O- | sudo apt-key add -

Para outros sistemas siga as instruções do site.

Então, instale o pacote eduke32. Para verificar se o programa instalou, execute ele. Não vai adiantar nada: você não tem o jogo instalado, então feche: ele já criou os diretórios adequados.

Agora, copie o arquivo duke3d.grp do jogo para o diretório .eduke32 na home. Execute-o novamente, e na aba Game escolha a opção adequada.

Agora... clique em Start e let's rock com o mesmo jogo que você jogou várias vezes no seu computassauro há uns anos atrás.


terça-feira, 3 de setembro de 2013

Comendo comida de cachorro

Calma: este não é um post sobre dietas bizarras ou sobre gente com hábitos alimentares estranhos. Tampouco descrevo minhas experiências com o já citado alimento.

Em informática, existe um conceito chamado dogfooding (literalmente: comer sua própria comida de cachorro). Em português não há expressão similar, até onde eu sei (exceto talvez provar do próprio veneno, mas dogfooding não tem a conotação negativa desta).

Trata-se de uma empresa (de tecnologia, geralmente) usar seu próprio produto no dia-a-dia, em todas as etapas de desenvolvimento. Acho que todo mundo aqui acharia graça se a Microsoft não usasse Windows na maioria dos seus computadores ou se a Apple desse um smartphone da Samsung para cada um dos seus funcionários [1]. E ninguém compraria de uma empresa de informática que usasse máquinas de escrever.

Da mesma forma, o dogfooding expõe problemas reais que acontecem no uso de um produto e que podem passar despercebidos por testes, especificações e outros. Serve para a gerência ver (até certo ponto) como o usuário final irá empregar o produto. Foi dessa forma que a Microsoft, entre outras, revelou (e revela) vários bugs no Windows: todos os desenvolvedores deles são obrigados a usar o ambiente que eles estão desenvolvendo.

Em qualquer indústria é fácil de ver isso. Os fabricantes de um produto confiam nele? Além de fazer propaganda, eles consomem seu produto? Já vi restaurantes onde o dono não comia lá: óbvio que eu fui em outro lugar. Já vi desenvolvedores que não usavam seu próprio produto e, portanto, ignoravam problemas óbvios. Inclusive, já fui um desses.

Muitas vezes, quando eu pego um manual de instruções ou um livro, eu fico tentando decifrar o que seus autores escreveram: pergunto se eles tentaram se instruir pelo que eles mesmos escreveram. Ficou claro que não.

Mas esse conceito pode ser aplicado para muito além da tecnologia. Basta ver a quantidade de discursantes que não comem sua própria comida de cachorro: deixam para os outros cumprirem o que eles querem que seja cumprido, mas não cumprem o que eles mesmos pregam.

Falam um monte, prometem um monte, e até mesmo fingem que cumprem até a hora em que a situação aperta: é fácil falar de honestidade até que ela é posta à prova. É fácil dar um discurso inflamado contra X ou Y, mas usar esse mesmo X ou Y às escondidas. É bem comum falar que não tem preconceito até a hora em que se... tem preconceito.

Evidentemente, a maioria das pessoas não come a sua própria comida de cachorro. Elas deixam para que os outros a comam, mesmo que ela não alimente (como é o caso da maioria dos discursos recheados de platitudes) ou esteja estragada.

A maior prova de honestidade é comer sua própria comida de cachorro. É gostoso (ou não, depende da mão do cozinheiro) e faz bem. Na melhor das hipóteses, ela permite a alguém refinar seu trabalho; na pior das hipóteses, desmascara.

(Fonte da imagem: slava/Flickr - e aliás, notar semelhança com o cachorro da necessidade)

[1] No sentido estrito, esse exemplo não é o mais adequado, pois podem haver outras motivações técnicas para que um funcionário não necessariamente use os produtos da empresa. Mas aqui ele é bom o suficiente.

sábado, 31 de agosto de 2013

Comparando profissionais

Poucos escrevem como um arquiteto constrói: primeiro esboçando o projeto e considerando-o detalhadamente. A maioria escreve da mesma maneira com que jogamos dominó. Nesse jogo, às vezes segundo uma intenção, às vezes por mero acaso, uma peça se encaixa na outra, e o mesmo se dá com o encadeamento e a conexão de suas frases. -- Schopenhauer, A Arte de Escrever

Sejam dois profissionais, de igual formação acadêmica e trabalhando na mesma profissão.

  • Profissional 1 projeta e planeja com base na experiência dele e dos outros. Fugir do foco do projeto? Não, a menos que seja necessário e justificável. Ele vai usar a solução mais adequada para resolver um problema. Ele não trabalha sem especificações - e quanto mais bem definidas, melhor.
  • Profissional 2 faz as coisas da cabeça dele seguindo apenas suas vontades, seus caprichos e um ou outro modismo: é uma boa ideia fazer X, mesmo que fuja do foco do projeto. Ele vai tentar forçar soluções inadequadas, "por que é mais fácil" ou "por que eu já sei fazer".


  • Profissional 1 documenta as suas decisões. Ele consegue entregar o trabalho para outra pessoa, que consegue retomar de onde ele parou. Se ele tiver que dar manutenção num projeto que ele fez há anos atrás, ele consegue.
  • Profissional 2 acha que comentários, documentação etc... são "frescura" e que os bons não precisam disso. Aliás, o profissional 2 vive de se achar melhor do que ele realmente é, e usa isso como desculpa para não aprender tecnologias novas: ele não precisa disso, afinal o salário dele está garantido. Ou ele se apega a todas as novidades sem entender o que elas realmente são.


  • Profissional 1 adota boas práticas desde o começo. Ele prima pelo trabalho dele ser limpo, enxuto e eficiente. Já o profissional 2? Só faz uma limpadinha por cima no final.
  • Profissional 2 desenvolve e testa tudo de uma vez só; já o profissional 1 desenvolve iterativamente e testa conforme desenvolve, não começando outra parte do projeto até que uma esteja funcionando adequadamente. Aliás, uma das primeiras coisas que ele faz é especificar testes.


  • Profissional 1 sabe que volume não é quantidade e que, aliás, as melhores e mais elegantes soluções são as mais simples. Já 2 quer é demonstrar a capacidade dele de ser prolixo.
  • Profissional 2 consegue cobrar mais barato por isso e entregar o trabalho mais rapidamente: boa sorte para o cliente ou para quando ele mesmo tiver que fazer manutenção. Já o profissional 1 pode demorar mais, mas entrega um trabalho melhor.

Quando o projeto do profissional 1 dá errado ou não funciona de forma satisfatória, ele sabe por onde começar a corrigir os problemas. E provavelmente ele vai achar o problema: ele vai usar as ferramentas adequadas para descobrir o defeito.

Já o profissional 2 se desespera, rasga tudo e começa de novo. Ou usa a ferramenta errada, não é muito fácil mas dá pra dar um jeitinho.

Qual deles é o melhor profissional? Qual deles é o mais comum?

E infelizmente, o que mais vemos por aí são profissionais do tipo 2. Já começa desde cedo na faculdade: deixam tudo para a última hora, não organizam, não planejam, e faltando algumas horas para a data de entrega é um desespero para tentar fazer a coisa funcionar direito.

Se apegam a formas prontas para resolver problemas, e tentam forçar todas as soluções a caberem no mesmo molde, mesmo que isso seja péssimo de um ponto de vista técnico.

Mas o pior é ver empresas que sugerem que você se comporte como um profissional do tipo 2: recentemente, desenvolvendo com o hardware de um grande fabricante, uma das recomendações era encontrar um código parecido com o que você quer fazer, copiar e colar. Justamente para fugir da abstração que eles mesmos criaram. Na hora perdi a vontade de trabalhar com o hardware.

Profissional do tipo 2: não seja esse profissional. Aprenda a fazer direito, mesmo que isso lhe custe mais a curto prazo, para evitar o retrabalho, a perda de tempo (seja sua, seja do seu sucessor).

Aliás, o livro do qual eu tirei a citação do topo deste post é uma leitura bem interessante para qualquer profissão criativa: tudo que está lá pode ser facilmente adaptado.

(Fonte da foto: http://www.flickr.com/photos/jpaxonreyes/5034760960/lightbox/)

sábado, 17 de agosto de 2013

Novo nome, sob a mesma direção

Rapidinha para quem estranhou a troca de nome:

Para nos alinharmos com as novas tendências do mercado, decidi renomear o blog. Considera-se que o novo nome traz a sinergia de uma marca forte e bem-estabelecida com o potencial inovador causado pela troca de ideias.

O nome antigo era impronunciável para muita gente, gerava confusão etc... e muita gente procurando horários de ônibus para 2112 (se as empresa de ônibus não conseguem nem acertar o horário para a semana que vem, quem dirá para daqui a 99 anos), gabaritos de provas e vestibulares para esse mesmo ano etc...

Espero que agora fique mais fácil de divulgar.

Crédito da foto: Anderson Luton/Flickr

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

De impostos e soluções burras/imediatistas/etc...

Recentemente surgiu a proposta - idiota, usando um eufemismo - de aumentar a carga tributária sobre os combustíveis para poder reduzir as passagens de ônibus. Solução óbvia, simples e inútil: ignora que as passagens não serão reduzidas (ao menos não como prometido) e que esse dinheiro arrecadado irá para o sumidouro do dinheiro público.

Ignora que estamos em séria necessidade de uma reforma tributária e política. Ignora que somos um dos poucos países onde a pirâmide está invertida: quanto mais pobre, mais imposto se paga. As grandes fortunas estão no exterior, estão em bolsa de valores, não estão sendo tributadas (e nem violando nenhuma lei: não é preciso ser criminoso para ser corrupto).

Ignora que aumentar os combustíveis reflete no custo dos fretes: já temos sérios problemas com infra-estrutura de rodagem e ainda criamos outro. Ignora que nem todo mundo usa carro simplesmente para fins pessoais e que, inclusive, o governo também gasta em combustíveis.

Pouco se fala em reduzir os impostos incidentes sobre o transporte público. Nada se fala em investigar os contratos com as empresas de ônibus (até por que, em nosso país, mexer com empresas e puní-las por corrupção - seja corruptora, seja corrupta - é tentar implantar o comunismo, não deixar o cidadão de bem ganhar dinheiro). Aliás, não se fala em obrigar as empresas (de todos os setores) a mostrarem suas prestações de contas.

Por sinal, temos um tabu enorme em punir empresas: desde que elas sejam grandes, ou seja, financiem campanhas, elas podem tudo que o cidadão de bem não pode. Encostar nelas é proibido, sob pena de ser tachado comunista, sob pena de sermos acusados de estarmos destruindo a economia ou o PIB não crescer alucinadamente (mesmo o PIB sendo um indicador ruim para medir o desenvolvimento de um país).

Muito menos ainda se fala em eliminar os privilégios dos políticos - o que já garantiria uma enorme economia para o país - e acabar com a propaganda estatal. Aliás, considero que o governo deveria ser proibido, por lei, de fazer propaganda: vender melhorias em algo que não melhorou é propaganda enganosa, e em se tratando de serviço público é relativamente fácil ver as melhorias (ou a ausência delas).

Não se fala em profissionalizar o serviço público, em tornar ele menos burocrático (como já cansei de afirmar, burocracia é corrupção: ninguém fura a fila que não está lá, ninguém sonega o imposto que não existe, ninguém paga para ter um privilégio que não é necessário), em punir as incompetências, os superfaturamentos e atrasos em obras de forma efetiva - coisas que qualquer empresa séria faz.

Todas ótimas soluções que não custam nada ao contribuinte - e inclusive poderiam aumentar a arrecadação de impostos, com mais gente usando esses produtos e serviços. Perde-se de um lado, ganha-se mais ainda de vários outros.

Pena que muito dificilmente essas mudanças acontecerão: nenhum governo gostará de não poder fazer propaganda. Ser político deixará de ser interessante. Uma reforma tributária geral causa menos efeito nas pessoas do que zerar o IPI dos carros. Na pior das hipóteses, vai ter gente irritada por ter perdido um suposto status quando o povão começar a ter acesso a melhorias.

Mas a solução mais simplista, mais burra está lá: um novo imposto, ou aumentar os existentes. Mesmo sabendo que essa história já cansou e não cola. Mesmo sabendo que isso é destrutivo para a economia - exceto quando beneficia as empresas amiguinhas dos candidatos.

Um argumento relativamente comum é país X tem a mesma carga tributária do Brasil e ninguém reclama. Uma comparação tão absurda que chega a dar pena. E os nossos serviços? Eles tem (ou um dia terão) a mesma qualidade do país X? Nesse país X temos superfaturamentos, atrasos em obras, licitações compradas e cabides de empregos? Muito provavelmente não: se eles acontecem, são esporádicos.

Países tão grandes quanto o nosso conseguem resultados melhores (e inclusive possuem programas sociais muito mais abrangentes, para ódio dos classe-média-sofre) com uma menor carga tributária: quem é o errado na história, eles ou nós?

Na verdade, quando se fala em melhorar o serviço público (qualquer um deles) no Brasil, existe um ciclo bem comum:

  1. [X = Educação/saúde/transporte público/cidadania/...] está deficiente! Vamos criar um imposto e o dinheiro será investido em X! Eu prometo!
  2. Cria-se um imposto (que, como eu já disse, os mais pobres pagam, pois é de longa data que no Brasil os ricos efetivamente não pagam impostos). X não melhora, mesmo se jogando rios caudalosos de dinheiro nele.
  3. Em uma última tentativa, pede-se "10% do PIB para X!". E coloca-se 10% do PIB lá, e mesmo assim as melhorias são insignificantes: outros países fazem melhor com menos gasto.
  4. O governo pode colocar na sua propaganda "investimos em X!" e mostrar meia dúzia de figurinhas que supostamente comprovam o investimento. Mas para cada melhoria, houveram várias pioras.
  5. Opcionalmente, cria-se um programa que promete mudanças radicais - e cumpre, nos primeiros meses, até vermos que não é bem assim e que o problema é mais profundo.
  6. Não tem passo 6, voltamos ao passo 1.

Não que o povo seja muito melhor: a solução dele muitas vezes vem em agressões, em ofensas, em palavras fortes e vazias. Eles querem uma solução - novamente - radical, imediatista e quanto mais violenta e brutal melhor. Mesmo não tendo resolvido o problema, apenas escondido ele, dá a sensação de satisfação. Mas ninguém quer sentar e discutir reais soluções, afinal não tem o mesmo prazer de dizer que fez X e Y.

Somos um país viciado em soluções simplistas, que ignoram toda a raiz de um problema, todas suas consequências e implicações. Tentamos resolver com dinheiro o que não é problema dele. Aliás, é bem comum isso vindo de certos políticos, de certos partidos: soluções imediatistas, demagógicas e - por que não dizer - burras.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

A importância da boa comunicação

Duas situações que me aconteceram esses dias e que ilustram o tema desse post, a importância de se comunicar de forma simples e efetiva:

  • Outro dia vi num desses grupos de vendas no Facebook alguém perguntar se um produto era original ou réplica (eufemismo para falsificado). A resposta: não é réplica. Não é réplica (frase essa que poderia teria sido dita mais claramente: é original) ou não, é réplica? Ficou a dúvida, causada pela simples ausência de uma vírgula.
  • Em outra situação, fui avisado por um colega (chamá-lo-ei de A) que precisava fazer um outro trabalho de uma disciplina para ser entregue no mesmo dia: entrei em pânico, até que conversei com outro colega meu - o qual confirmou que A se referia a um trabalho que já tinha sido proposto (mas que A não tinha feito ainda). 
Para quem não me conhece: sou chato com erros de escrita, principalmente os grosseiros e evitáveis (cada vez que eu leio alguém errando algo básico, eu choro). Aliás, tenho para mim que boa parte dos mal-entendidos são causados pela má comunicação. Frases sem sentido, vocabulário inadequado, pensamentos mal-estruturados, a necessidade inteira de adivinhar o que o interlocutor está dizendo. 


Acho que todos nós podemos lembrar de algum exemplo onde fomos induzidos ao erro, a conclusões inadequadas ou incorretas, etc... por uma ambiguidade ou por uma frase mal-escrita, ou mesmo de quando perdemos a paciência com gente que precisa falar muito para dizer pouco.

Não é questão de falar difícil: isso muitas vezes mais atrapalha do que ajuda! Há pessoas que infelizmente precisam mostrar que sabem e transformam qualquer frase em um texto rebuscado. É questão de falar de forma minimamente adequada para a situação: e-mails profissionais não combinam com vc ou com migo, e nenhuma situação combina com FALAR GRITANDO SEM VÍRGULAS.  

Outra situação, infelizmente comum, é entender o inglês de algumas pessoas (que deveriam se preocupar primeiramente em aprender a estruturar um raciocínio ou uma sentença, em sua língua nativa mesmo). São erros aqui, abreviaturas para cá, etc... que acabam afetando o entendimento da frase.

Por mais que meu inglês tenha alguns problemas, eu nunca precisei (e nem vejo sentido, não estou escrevendo um telegrama cobrado por palavra) trocar you por u: isso mais atrapalha do que ajuda. A propósito: não, um tradutor on-line não é um bom substituto para aprender o idioma, no máximo ele quebra um galho quando você não entende uma palavra ou uma frase.

O que precisamos, ao menos em situações profissionais, em situações mais sérias, é comunicarmos bem: sermos objetivos, diretos e respondermos ao que é pedido ou perguntado, de forma clara. É simples, mas é algo que muitos não dominam - até por que essa habilidade não é treinada. Ao contrário: por vários motivos, criou-se a cultura do lero-lero, do colocar texto para encher páginas. Daí temos manuais de instrução que não instruem, notícias que não noticiam, picuinhas semânticas sobre o significado de uma palavra, etc...

Outro fator importante é a precisão: a dúvida é sobre X? Pergunte sobre X, mas não só sobre ele: o que levou você a chegar até X. Dê todos os dados necessários para resolver o problema. Não fale mais do que o necessário, nem menos (mas na pior das hipóteses é mais fácil dar mais informações: em último caso pode-se descartar o que não interessa). 

Falta de comunicação, ou a má qualidade dessa, mata, atrapalha, atrasa projetos e cria situações desagradáveis. Mas infelizmente muitos não conseguem superá-la, seja por desconhecimento, seja pela necessidade de falar difícil (especialmente quando é para enganar os outros), ou simplesmente pela preguiça ou descaso de escrever com maiúsculas e sem abreviações. 


sexta-feira, 12 de julho de 2013

Faltam engenheiros?

A falta de engenheiros virou um pequeno pânico. Toda hora se fala nela. E realmente, vagas passam um bom tempo sem ser preenchidas: não por faltarem engenheiros (o que levou a uma disparada para as faculdades - espero daqui a uns anos ver o pessoal desiludido por que eles não vão ficar ricos), mas por motivos diversos.

Primeiramente, um motivo óbvio: muitas empresas não pagam o piso salarial para os engenheiros. Seja contratando analistas (que não são engenheiros, ou seja, não são cobertos pela lei), seja simplesmente ignorando a lei. E depois são essas mesmas empresas, e seus donos, que tem a audácia de reclamar da corrupção (dos outros, por que a delas é necessária).

E o CREA nada faz: por motivos óbvios ele não vai se meter com quem contrata quem paga a anuidade deles. Ele não vai criar animosidades com o governo ou com empresas - sob pena de ser rotulado como o órgão que está atrasando o progresso.

Ele não vai mexer um dedo para tentar cortar a burocracia, caso contrário ele vai gerar desemprego (sim, já vi gente usando essa expressão para defender o inchaço dos órgãos públicos, os cabides de emprego, a burocracia etc...). E, como bem estamos cansados de saber, burocracia é corrupção: só existe gente subornando por que há a necessidade de subornar, só se paga para furar a fila por que a fila está lá.

Nenhum governo vai se envolver para punir empresas, caso contrário o Brasil deixa de ser um país bom de investir (leia-se: país bom de conseguir altíssimos lucros) por que estão enchendo o saco do cidadão de bem que quer ganhar dinheiro.

Essa desvalorização levou muitos engenheiros a irem para outras áreas, principalmente as administrativas - onde eles acabam sendo mais valorizados e recebendo salários melhores (ou muitas vezes, apenas justos). Ou seja, acabam faltando engenheiros para as partes técnicas, operacionais etc... e isso está se fazendo notar agora com o certo crescimento econômico que estamos tendo, o que se traduz no grito de SOCORRO! FALTAM ENGENHEIROS!.

(Aliás, o problema da desvalorização não é apenas das engenharias: todas as profissões no Brasil encontram-se nessa situação, excetuando-se talvez as carreiras jurídicas e alguns poucos profissionais que conseguem explorar alguns filões. Mas isso é tema para outro texto)

Outro não menos grave problema: as universidades - principalmente e infelizmente as públicas - estão fora de sintonia com o que o mercado e a indústria precisam. O ensino ainda é fundamentalmente teorético, voltado a resolver os problemas descritos nos livros. Livros muitas vezes arcaicos, obsoletos, com tecnologias que já não se usam mais há anos.

Na graduação, eu aprendi a resolver muitos problemas em situações imaginadas: despreze a resistência do ar. Calcule não sei o que na gravidade de Júpiter. Suponha que tudo é linear e que o mundo é elegante. Deduza a fórmula. Decore a fórmula (ou ponha ela na HP). É mais importante mostrar como se chegou ao resultado do que aplicar o resultado.

Eu tive professores que davam aulas com material da época das empresas estatais de energia/telecomunicações (da época em que ainda existiam CEEE, CRT, Telebrás etc...) ou com lâminas que eles tinham escrito há 25 anos atrás.

Pouca ou nenhuma ênfase foi dada à prática, à capacidade de resolver problemas reais em um universo não-linear e cheio de fatores contraditórios. Pouco se ensinou e se praticou o troubleshooting, a arte/ciência de resolver problemas, ou sobre como se transforma um requisito em uma solução.

A opção para contornar esse problema seria fazer estágios desde cedo - opção inviável para muitos, considerada a carga horária do curso, e pior ainda quando se mora em uma cidade onde praticamente inexistem oportunidades para certos campos da engenharia.

Outra opção é o autodidatismo, infelizmente prejudicado pela cultura do diploma: não basta saber fazer e mostrar que sabe, é necessário um papel atestando que se passou por anos de aulas - das quais não foi tirado nada devido aos já citados problemas.

Uma das alternativas que os alunos acabam procurando é a pesquisa, porém em muitos casos ela é teórica, voltada à produção intelectual (que interessa a quem almeja uma pós-graduação) sobre um tema muito específico e não gera aplicação real.

A maioria dos meus professores foi direto da graduação para a pós, e o pouco de experiência profissional que eles tiveram se restringiu aos 6 meses do estágio obrigatório. Viraram os famosos especialistas de nada: sabem tudo sobre um assunto extremamente específico, e só.

E eles não veem nada de mal nisso, o conhecimento deles rende um fator de impacto (a moeda do mundo acadêmico) alto, graças ao sem-número de papers que eles podem publicar.

Colabora com isso tudo a tal da dedicação exclusiva, que aliena os professores e os impede de vivenciar o mundo real. Um professor pode ficar horas descrevendo as maravilhas do empreendedorismo, mas não pode empreender. Um professor pode ficar horas descrevendo o que deveria ser feito na indústria, mas não pode fazer. Um professor de administração não pode administrar.

Sem falar nos requisitos impossíveis de algumas empresas: é necessário que o engenheiro seja jovem (afinal, profissional velho "não aprende", "não tem flexibilidade") mas tenha vasta experiência.

É necessário que ele seja recém-formado, mas tenha conhecimentos profundos (que não se adquirem sem o exercício da profissão). É necessário que ele tenha 10 anos de experiência em uma tecnologia que só existe há 5. É preciso que ele seja jovem, fale 3 idiomas fluentemente e tenha experiência em liderança. Condições impossíveis para 99,9% dos formandos.

Por fim: muitas das empresas daqui ainda mantém a mentalidade de que pesquisa e desenvolvimento, treinamento etc... são gastos. O negócio é vender o mesmo produto ou serviço por anos, e ainda prejudicar quem tenta fornecer algo melhor e mais barato.

Com essa mentalidade, não me surpreende que o país esteja tão atrasado em inovação e que nossa sexta (ou sétima? não sei) maior economia seja baseada em indústria de baixíssima tecnologia.

Faltam engenheiros? Faltam. Por culpa de muita gente: por culpa de todo o nosso modelo educacional, que - guiado por professores que sabem quase tudo sobre quase nada - avalia a capacidade de resolver problemas teóricos e não de aplicar conhecimentos.

Por culpa das empresas, que decidiram ignorar a lei ao mesmo tempo em que reclamam de quem ignora as leis - e depois reclamam que nenhum engenheiro quer aceitar o salário horrível que eles oferecem.

Por culpa da burocracia (que, estranhamente, não vitima as grandes empresas - as mesmas que tem dinheiro para financiar campanhas e comprar seus benefícios) e pela inutilidade do conselho profissional.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Já tinha gente acordada

Depois dos recentes acontecimentos virou lugar-comum dizer que o brasileiro acordou. E de certa forma é verdade, o povo foi as ruas, embora com causas vagas e desconexas.

Porém, muitos dos que dizem isso omitiram que os movimentos sociais já estavam acordados há um bom tempo. Eles acordaram cedo, antes do sol nascer. Estavam protestando por direitos das minorias, lutando por justiça para os mais necessitados, tentando abrir caminhos.

Só que chamavam eles de vagabundos, gente sem ter o que fazer. Diziam que os militantes não eram gente de bem, por que gente de bem estava trabalhando, e não defendendo coisas de vagabundos. Foi nessa mesa que pediram lógica circular (gente de bem não defende coisa de vagabundo por que vagabundo não é gente de bem)?

Eles diziam que as mulheres que lutavam por igualdade de direitos queriam destruir a sociedade. Que direitos reprodutivos seriam assassinato e que educação sexual iria formar uma geração promíscua. O negócio deles é o obscurantismo. E ironicamente, eles reclamam da educação, mas queriam que fosse ensinado apenas o que lhes interessava: não queriam nenhuma contradição e nenhuma discussão.

Eles diziam que os movimentos LGBT eram viadagem e que se eles tivessem direitos fundamentais teríamos que legalizar a pedofilia e a zoofilia, em um declive escorregadio perigosamente burro. Defendiam a velha família mamãe-fica-em-casa-papai-foi-trabalhar. Sempre com os mesmos argumentos. Sempre com a mesma fala do pastor.

Eles diziam que as minorias queriam viver de bolsa-esmola, que elas queriam privilégios e que elas não podiam reclamar por estarem sendo desalojadas em nome de um suposto progresso. Que quem reclamava das mastodônticas (e superfaturadas, e de enorme impacto ambiental) obras estava querendo que o país vivesse atrasado.

Eles diziam que quem era contra as religiões organizadas estava querendo expulsar Deus do país. Que era perseguição religiosa. Que não havia nada de errado em uma tal cura gay (como curar o que não é doença?) ou em um pastor servir ao dinheiro e não a Deus. Eles diziam que discurso de ódio era liberdade de expressão.

Eles diziam que eles deveriam estar protestando contra a corrupção, o que é tão específico quanto protestar pela paz ou protestar pelo meio-ambiente. Só protestar por uma causa genérica e não atacar suas reais causas: financiamento privado de campanha, especulação, burocracia etc... que, em última instância, estão intimamente ligadas ao sistema econômico, é fácil.

Para muitos deles, a corrupção, e todos os outros problemas do país, nasceram com o PT. O país era uma maravilha há 10 anos atrás e hoje é um inferno. Ignoravam toda a dinâmica do capitalismo e o simples fato de que, para existir corrupção, precisa haver corruptor. Corruptor esse que sempre sai ignorado.

E principalmente: ignoram as pequenas corrupções. Faz parte do entitlement [1] deles: eles podem cometer, afinal o governo rouba e não dá nada, ninguém vai ver, é por uma boa causa etc... afinal eles tem motivos nobres.

Eles não lembram da corrupção na hora de comprar coisa pirata, de colar na prova, de usar o telefone/carro da empresa para fins pessoais, de ganhar troco a mais, de mentir. Quando era dos outros era corrupção, quando eram eles fazendo, sempre achavam um pretexto ou uma desculpa esfarrapada.  

Até antes, muitos deles achavam a violência policial algo normal e aceitável, desde que fosse contra quem eles não gostam. Desde que fosse contra "vagabundo". Desde que fosse contra ladrão de galinha, mas o ladrão rico ficava na paz assistindo tudo. Agora eles entenderam o que a periferia e as minorias estão tristemente cansadas de ver: abusos de poder constantes, provocações e violência gratuita.

O discurso de alguns deles mudou da noite para o dia. E não sei se isso é bom ou ruim. Parece ruim: mudou só por modismo, só por que agora é a minha causa, só por que agora é minha vez de brilhar, só por que agora eu posso sair gritando sem pensar. Muitos deles odiavam o Bananão até uns dias atrás, hoje dizem que um filho dele não fugirá à luta.

Já tinha gente acordada muito antes, mas eles sempre mandaram essas pessoas calarem a boca por que o discurso deles não era o que eles queriam ouvir, não condizia com a ideologia deles.

Já tinha gente acordada. Gente que acordou bem antes do sol nascer. Mas eles mandavam elas voltarem a dormir e não encherem o saco. Agora, que é do interesse da extrema direita um golpe militar (sim, eu vi gente desejando isso)e, inclusive, tem gente flertando com o nazismo - que sinceramente é o sonho de muitos deles, pois vai dar desculpa para eles eliminarem quem não presta. Não sei se realmente acordamos ou simplesmente estamos sonâmbulos e balbuciando durante o sono.

[1] Entitlement (não sei se tem tradução em português): quando a pessoa acha que tem um direito que ela na verdade não tem, e reclama quando dizem não para ela.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

O que vem depois?

Imagina na Copa virou lugar comum. Para denotar desde descaso até ironia. Vem com uma risadinha nervosa. E acho que todos já imaginam que vai vir o de sempre: obras feitas às pressas pela empreiteira do filho daquele político importante, com material de má qualidade.

A pergunta que deveria ser feita, mas que nunca vi nem mesmo ser suscitada: o que vem depois?. E, fazendo um pequeno exercício de imaginação, já conseguimos ver a resposta. E ela não tem nada de bonito.

Vem o custo - tanto financeiro quanto social - das grandes obras. Elefantes brancos, feitos de qualquer jeito, espalhados pelas cidades, que se tornaram inúteis depois de uma meia-dúzia de joguinhos. Ninguém ganhou nada, exceto as grandes empresas. Elas mesmas, as que financiam campanhas (inclusive as de um certo partido que se diz contra, mas na hora do vamos-ver...).

Em nome de um tal desenvolvimento (só se for do bolso de alguns), em nome desses eventos, em nomes de grandes elefantes brancos, justifica-se tudo. Justifica-se violência. Justifica-se e tapa-se os olhos para o discurso de ódio. Justifica-se tirar dinheiro de setores fundamentais e já negligenciados. A tal da 'governabilidade' (que eu realmente entendo como dançar conforme a música, nunca haverão mudanças etc...) ataca em cheio.

E o pior: constatar isso é ser pessimista. É complexo de vira-lata. É torcer para que tudo dê errado para tentar derrubar o governo. É ser reaça. Eu sou do PIG (PIG esse que ironicamente recebe uma boladona de dinheiro público). Não seria uma má ideia que tudo desse errado, o país ficasse com a imagem manchada lá fora, e uma reeleição quase garantida fosse evitada... mas não que os outros candidatos sejam muito melhores.

Saindo da política, vem a decadência. A infraestrutura vai provavelmente deixar de ser mantida com rigor e continuidade, afinal não dá mais dinheiro, não tem mais ninguém para ver. A segurança que protegia apenas os turistas endinheirados vai sumir. Se o país perder na Copa, perdemos, mas se o país ganhar, perdemos mais ainda: já temos várias reeleições garantidas. Teremos uma certa presidenta se reelegendo enquanto o povo ainda está eufórico por nada.

Ficaremos com as as leis anti-terrorismo: por terrorista leia-se: ousou exercer a liberdade de expressão garantida pela Constituição, estava em um protesto pacífico e foi recebido com agressão policial. O terrorismo oficializado de cada dia, na forma da negação de direitos humanos básicos e da negação de cidadania, não conta.

Qualquer manifestação será tratada como vandalismo; enquanto isso, o vandalismo de cada dia - em cada tribo indígena que é atacada em nome de grandes obras, em cada escola abandonada, em cada centavo do dinheiro público que vai para o lixo, em cada morador de rua que aparece morto, em cada desalojamento - é normal, é o preço do progresso que ninguém pediu.

As leis que proíbem qualquer tipo de manifestação em dia de jogo acabarão se tornando permanentes devido à sua conveniência (significa que o povo não pode encher nosso saco). Precisa parecer que está tudo bem, que o custo de vida não disparou por causa desses grandes eventos, não podem saber que todas todas as profissões aqui estão desvalorizadas e que a sexta maior economia é uma simples fachada.

Esperemos, de forma bem otimista, quase inocente, quase infantil, que isso não ocorra e que esses eventos sejam só mais uns eventos quaisquer. Na verdade, não: espero que Copa, Olimpíadas etc... sirvam para o país passar vergonha internacional. Que sejam marcados por protestos que desafiem as leis anti-liberdade de expressão. Que os outros países vejam que sim, somos só uma fachada gigante.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

O culto ao otimismo


- Estamos muito perto do solo. Não seria melhor abrir o pára-quedas agora?
- Você precisa ter uma atitude positiva. Encontre um jeito de fazer o pulo parecer mais legal, em vez de tentar interrompê-lo.

Hoje li o texto The Cult of Positive Attitude (de onde tiro a imagem ao lado), que trata sobre um problema cada vez mais comum: a contínua necessidade de ser otimista, de fugir de críticas. Quem se posiciona de forma crítica é reclamão, resmungão, só sabe achar defeito nos outros. Acaba sendo visto como o chato, o que quer prejudicar todo mundo.

A mesma coisa com as autoajudas de cada dia: ignore o que pode dar errado e imagine o que pode dar certo. Se der errado, ao menos você tentou (mesmo que você fique no vermelho) em vez de desistir (o que poderia ter sido mais sensato). Imagine apenas a recompensa, o sucesso. Sempre é preciso estar de cabeça erguida, sempre é preciso ter um sorriso na cara, por mais falso que ele seja. Eu desejo que X seja verdade, então X é verdade e quem me disser o contrário está tentando me derrubar: pois eu sou especial e nada irá me derrubar.

Levantar e recomeçar nunca foi tão fácil quanto é hoje, então vamos transformar problemas sociais, de saúde etc... em uma mera questão de incompetência pessoal. Você é o único culpado pelo seu sofrimento. Essas pessoas famosas tentaram infinitas vezes e largaram tudo para correr atrás (mas nunca com o dinheiro delas) dos seus sonhos, então você está esperando o quê?

Dizer não sei fazer, não posso, não consigo é feio. É sinal de fraqueza. É sinal de covardia. É sinal de incompetência. Eu preciso mostrar que eu sou, para não virar motivo de fofoquinhas e piadinhas. Preciso ter resposta na ponta da língua para tudo, não posso parar para pesquisar mais e pensar um pouco sobre o que dizer. Preciso ter sempre uma resposta pronta para poder disparar rapidamente.

Com política, economia etc... é pior: qualquer aparente avanço do governo ou de uma empresa significa que temos que obrigatoriamente ser otimistas - mesmo que saibamos que é um avanço demagógico, calculado para tentar mudar a opinião pública e limpar a má imagem do Senado, da Prefeitura ou de uma empresa que não é sustentável. Quem se posiciona de forma crítica contra o governo é contra o povo, é a favor do fascismo, entre outros: prefere que as coisas fiquem como antes. Precisamos comemorar cada insignificante e insuficiente mudança enquanto as derrotas se transformam em ameaça.

Aliás, esse já é um anti-padrão que eu noto há um bom tempo:

- Se fizermos (ou não fizermos) X, Y vai acontecer. Y é ruim pois Z.
 - Vamos nos preocupar com o que pode dar certo e não com o que pode dar errado/deixa de ser reclamão/não fique cortando as expectativas dos outros/não vai dar nada/X é legal.

 X é (ou não) feito. Y acontece, e Z faz com que Y se torne ruim (ou se agrave ainda mais). Voam mimimis de um lado para o outro, voam acusações, gente é demitida, mas nada se faz para evitar que Y não volte a acontecer.


E então vamos amenizar os resultados negativos, ou mesmo omiti-los: eles não garantem a minha promoção. Eles não vendem jornal e nem ficam bonitos no horário político. Mas estão lá, escamoteados: prejuízos financeiros e materiais, impactos ambientais e sociais, etc... Se ninguém souber que as minhas 99 tentativas anteriores deram errado, posso dizer que consegui de primeira.  

Antes que venham dizer que eu sou um pessimista desiludido com a humanidade: em nenhum momento afirmei isso. Apenas penso que fechar os ouvidos e ignorar a existência de problemas, de possibilidades de falha, de erros, etc... não faz eles desaparecerem. O que resolve eles é confrontá-los, discutir possíveis soluções de forma intelectualmente honesta e aplicá-las - e isso não inclui dizer que os críticos querem ferrar com os planos dos outros, que eles tem complexo de vira-lata ou que eles querem que o país viva atrasado.

(Destaco o de forma intelectualmente honesta: trollagens não são críticas, são trollagens. E dessas sim é melhor fugir, assim como é bom evitar quem não tem a integridade de assinar embaixo do que diz e dar a cara a tapa)

quinta-feira, 28 de março de 2013

Não leia os comentários


  • O que você está escrevendo?
  • Vírus.
  • O que ele faz?
  • Quando alguém tenta postar um comentário no YouTube, primeiro ele lê esse comentário em voz alta.
  • Logo mais, em todo lugar:
  • ... eu sou um idiota.
  • Eu... eu não sabia.

Não preciso nem descrever a seção os comentários nos sites de notícias. Aparentemente, o QI médio lá tende a zero: são agressões e acusações gratuitas e infundadas, repetição ad nauseam dos mesmos clichês, fatos distorcidos e amassados para satisfazerem um ponto de vista específico.

O anonimato fornece uma confortável e quentinha carapuça para quem deseja externar toda sua ignorância: o comentarista médio sonha com a volta da ditadura, ou mesmo do nazismo - afinal, ele é um cidadão de bem, humano direito. Confunde liberdade de expressão com liberdade de preconceito. Demonstra seu refinado conhecimento de economia, política e sociologia. Demonstra não ser alienado e estar revoltado. Mesmo que ele tenha que mentir para combater a mentira ou ser desonesto para combater a desonestidade. Metalinguagem?

Ele também entende profundamente de ciência: quando alguma descoberta científica é noticiada, ele já corre para dizer que os cientistas deveriam estar se preocupando com combater a fome. Quando é apresentado algum tópico sobre a origem do homem ou do universo, sobre aspectos referentes aos outros planetas, reclamam que o homem quer ser uma divindade.

Deturpa notícias e consegue encontrar teorias da conspiração em tudo. Até mesmo a previsão do tempo ou a notícia de que um jogo de futebol terminou empatado viram golpes do PT para implantar a ditadura do proletariado no sistema comunista. Um asteroide está a caminho da terra? É o governo querendo desviar as atenções.

Tudo com que ele não concorda é do diabo. Tudo foi um castigo divino. Falam como se o fim dos tempos fosse vir amanhã (aliás, estou esperando há um bom tempo). Mas o pior é a capacidade de emitirem discursos de ódio como quem conta até 10. Qualquer tentativa de dar direitos necessários às minorias é recebida com agressões. Não querem discutir, querem é competir para ver quem fala mais alto.

Em sites onde é necessário cadastro, as coisas são melhores, mas não muito: existe gente que se dedica a criar nomes e usuários falsos para ir lá trollar e conseguir inventar uma teoria da conspiração envolvendo três partidos, duas classes sociais, algumas celebridades e dez países diferentes. Ou reclamam dos vagabundos que passam o dia sem fazer nada (estranho... transformaram a seção de comentários em um espelho dos comentaristas?).

O melhor que eu aprendi a fazer até agora foi ignorar os comentários da maioria dos sites (principalmente os que não requerem cadastro): a relação sinal/ruído deles é péssima. Muito pouco - ou nada - saiu de bom dos comentários deles. Aliás, eles são a melhor forma de desmotivar alguém: mesmo que você não goste do trabalho da pessoa, não diga simplesmente não gostei ou poderia melhorar em X: faça questão de mencionar a sexualidade, a crença ou a opinião política da pessoa infinitas vezes.

E em todo caso, se você porventura se ver no meio desses comentários, resista a tentação de ser educado: não se desperdiça educação com quem não está disposto a aceitar nada. Você vai ser atingido por uma torrente de pedradas e agressões. Felizmente elas - apesar de serem legião - são vazias, frágeis e inofensivas, exatamente como as pessoas que se escondem atrás delas.

E o pior é ver que os sites de notícias continuam firmes no uso de comentários - afinal, é audiência, é gente clicando e vendo propagandas. É lucro: ignoram a responsabilidade moral deles por uns trocadinhos. Ignoram que deve existir uma moderação que delineie o que é expressão e o que é opressão. Ignoram que estão cheios de babacas, e se o seu site está cheio de babacas, é culpa sua e exclusivamente sua: os recursos para impedi-los existem há décadas.

O anonimato revela o pior e o melhor das pessoas. Nesse caso, o pior, o muito pior. Aquilo que eles nunca teriam coragem de falar em voz alta, mas que é facilmente digitado, salvo, copiado-colado e permite que a pessoa se diga não manipulada pela mídia de massa, não alienada, não sou idiota. Mesmo que para isso ela precise escrever errado e mentir até sobre seu nome (ironicamente, para reclamar de como os outros são desonestos e antiéticos).

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Sobre sistemas críticos, regulamentação de profissões etc...


tl;dr: Regulamentação? Sou contra. A comparação com engenharia, medicina etc... é descabida. Software crítico não é desenvolvido no GitHub por entusiastas. Seu software muito provavelmente não é crítico.

Às vezes ainda ouço discussões sobre regulamentação das profissões de informática. E vejo frequentemente, para justificar a regulamentação, a analogia com os engenheiros. Como quase-engenheiro, afirmo que simplesmente não existe como comparar o trabalho de um engenheiro com o da maioria dos desenvolvedores no aspecto da segurança do produto final.

Se uma estrutura ou um equipamento falharem, milhares de pessoas podem morrer, um país pode parar; para a maioria dos softwares, uma falha muitas vezes será um mero incômodo passageiro. (Desconsiderando gente que enlouquece quando o Facebook cai :)

Já vejo que vão falar em software crítico, então vamos ao que interessa: software crítico - aquele que lida com processos físicos de grande complexidade, vidas, grandes somas de dinheiro, etc... - não é desenvolvido por um profissional solitário: ele é desenvolvido por equipes com gente de várias áreas, que trabalham sob protocolos, legislações e normas extremamente rígidas.

Esse tipo de software passa continuamente por verificação formal, peer review e outros sistemas; uma mudança só é realizada após ficar demonstrado que ela não afeta o funcionamento de nenhuma outra parte do sistema. Testes extensivos são realizados, tanto em simulação quanto em hardware físico (muitas vezes com bancadas de teste completamente automatizadas, sem interação humana). Todas as decisões de projeto são documentadas, conforme mandam normas de órgãos reguladores e sociedades profissionais como a IEEE.

O firmware que vai num carro, num avião ou num robô cirúrgico, em aplicações onde o fabricante pode ser responsabilizado por eventuais falhas que venham a acontecer, muito provavelmente não vai ser desenvolvido por entusiastas colaborando no GitHub e coordenando atividades por um canal de IRC, nem por um time constituído apenas de desenvolvedores: vai ser desenvolvido por uma equipe de engenheiros, físicos, matemáticos entre outros. De forma interdisciplinar, cada profissional trabalhando na área do conhecimento que lhe é pertinente.

Vai ser desenvolvido em conjunto com o hardware, mantendo contato com essa equipe e com os órgãos do governo que fazem a certificação dos sistemas e subsistemas. Vai ser projetado com uma arquitetura robusta e redundante em nível de hardware: mesmo que todos os microprocessadores do meu carro parem, eu terei - ou ao menos devo ter - condições de parar ele no acostamento e acender o pisca-alerta.

O mesmo eu posso dizer do sistema pelo qual passam todas as transações de um banco, do supervisório do sistema elétrico de um país ou da plataforma que coordena todos os processos de uma grande indústria: não são desenvolvimentos que estão ao alcance dos desenvolvedores comuns, e não são projetos onde novos recursos são adicionados a todo instante.

Se sair do ar, perco o dinheiro que o AdSense me paga, um erro no banco de dados fez com que as pessoas não pudessem jogar nosso jogo ou um bug fez com que pessoas não consigam se inscrever para uma promoção não tem nada de crítico. Crítico é se sair do ar, milhões de pessoas não poderão receber seus salários amanhã, um bug fez com que um país inteiro fique sem energia, um erro no banco de dados impediu um atendimento de emergência etc....

Normalmente essas aplicações de missão crítica são áreas onde já, pela própria definição e natureza delas, não existe espaço para amadorismo ou para hacks questionáveis. E os desenvolvedores delas são as exceções altamente especializadas, não a regra. Então, não use ela como justificativa: seu software pode ser importante (e provavelmente ele é), mas ele não é crítico.

Empresas que desenvolvem sistemas críticos exigem titulação (muitas vezes mestrado ou doutorado) nas áreas de interesse. Exigem experiência comprovada e conhecimento das normas e legislações respectivas. Assim, qualquer outra regulamentação já se torna irrelevante: os contratadores efetivamente são quem regulamenta o mercado.

Outro motivo pelo qual me posiciono contra: trabalho, entre outras coisas, com desenvolvimento de software embarcado (não em aplicações críticas). Não tenho formação na área de informática: o que eu uso para meu trabalho, aprendi sozinho devido ao questionável estado do curso que faço.

Então, com uma lei dessas, pode ser que eu não possa mais exercer meu trabalho, mesmo eu tendo projetado o hardware e agora estar escrevendo o firmware ou o driver para ele. Muito bom - só que não.

Profissionais de diversas áreas podem ser, e muitas vezes são, excelentes desenvolvedores, desenvolvem várias bibliotecas e softwares amplamente utilizados, e se veriam em uma situação complicada com uma eventual regulamentação. Um médico ou um engenheiro que venha a desenvolver software para uso na sua profissão, e transforme isso em um negócio, precisa ter diploma de informática?

Temos também mais um motivo: informática é uma das poucas áreas que permite que um autodidata chegue ao mesmo nível de um profissional diplomado. Quer mexer com eletrônica? Para sair do básico, prepare-se para comprar instrumentação, montar placas de circuito impresso com componentes menores que a ponta do seu dedo etc... Seu hobby é a música? Vai ser necessário montar um estúdio, comprar instrumentos entre outros. São áreas de interesse que envolvem tempo, dinheiro, espaço, ferramental, entre outros recursos não tão facilmente acessíveis.

Já a informática? Se você está lendo esse blog, você provavelmente já tem todo o equipamento necessário: um computador e um cérebro (embora às vezes, parece que falta o segundo para alguns :). Qualquer pessoa com um mínimo de interesse pode aprender a programar, colaborar com projetos de software livre, etc.... Não me parece nada justo criar uma reserva de mercado apenas para quem tem um diploma que muitas vezes não significa nada. Nenhum dos grandes desenvolvedores atuais chegou até onde está hoje apenas com as aulas, os trabalhos e os diplomas.

E exatamente: um diploma é um pedaço de papel que significa tive aproveitamento nas disciplinas e apresentei um TCC. Mesmo que aproveitamento seja passar em tudo com a nota mínima e o TCC seja um projeto trivial. Nada diz quanto à capacidade do formando.


Mas a regulamentação vai impedir a sobrinhagem. Adivinhe? Não vai! O "sobrinho" vai comprar o diploma numa Universidade Tabajara e continuar sobrinhando. Já vi código péssimo vindo de pessoas supostamente com doutorado em Informática, e já vi código muito bom vindo de entusiastas. Assim como já vi projetos péssimos vindos de pessoas formadas em Engenharia.


Mas a regulamentação vai impedir os maus profissionais. Leia o que eu escrevi no parágrafo acima. E a regulamentação em pouco ou nada defenderá os direitos dos usuários.

Não vejo vantagem nenhuma em regulamentação das profissões relacionadas à informática, especialmente quando ela se dedica simplesmente a fechar o mercado e garantir um mercado enorme para as faculdades pagou-passou, excluindo profissionais que chegaram lá sem precisarem de 4 anos - muitas vezes perdidos, que poderiam ter sido investidos de forma melhor - de sala de aula, mas com muito mais conhecimento do que alguém que simplesmente fazia o que era pedido nos trabalhos.

Existe uma ampla diferença entre regulamentar uma profissão pela responsabilidade que ela exige, pelo risco de vida que ela envolve (que é o caso da Engenharia, Medicina etc...) e regulamentar por regulamentar ou regulamentar a pedido de um grupinho de profissionais ameaçados - que é o caso da Informática.

Nota: existem propostas muito mais razoáveis, como essa da SBC - que vai justamente contra o que certos burocratas querem: derruba por terra eventuais conselhos fiscalizadores e define liberdades no exercício das profissões de informática. 

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Exportando dados do LTspice e lendo eles em um programa Python + ajuste de curvas

(Obs.: post técnico, mas nada que um mortal não consiga ler)

Esses dias, precisei ler dados gerados no LTspice em um programa Python. Aliás, essa é uma solução relevante para incluir gráficos do LTspice em trabalhos acadêmicos, papers etc... visto que ele não gera gráficos de boa qualidade visual quando impressos.

A solução é bem simples:

No LTspice desenhe o circuito, simule etc... Selecione o gráfico, mande File/Export para gerar um .txt, selecionem os sinais a serem armazenados no arquivo. Como exemplo usei o circuito abaixo e fiz uma análise CC, variando V1 e medindo a tensão antes dos diodos:



Vou chamar esses resultados de diodo.txt. O LTspice gera um arquivo delimitado por tabulações. Agora, para ler em Python, eu poderia usar a biblioteca csv, mas existe uma forma mais pythônica de ler esses dados e plotá-los: usando a função loadtxt da biblioteca NumPy.

Os parâmetros dessa são:
  • fname: nome do arquivo
  • dtype: tipo de dados esperado
  • delimiter: separador
  • skiprows: quantas linhas pular no começo
  • usecols: uma tupla que permite especificar as colunas que queremos pular
A partir daqui ficou óbvio do que precisamos: da fname e da skiprows (a primeira linha é cabeçalho). Assim, teremos o código a seguir:
(se não abrir: https://gist.github.com/renanbirck/4743036)

Ele pode ser usado com o arquivo diodo.txt que forneço de exemplo (aviso: 4 MB. Clique com o botão direito e mande salvar para o seu browser não sentar)

Obteremos isso:


Podemos mexer na legenda, etc etc... mas cheguei ao que eu queria demonstrar.

E agora, já que temos esses dados, podemos ajustar eles a um modelo. Visualmente, nota-se que eles parecem com uma tangente hiperbólica. Assim, façamos um modelo do tipo

e usaremos o método dos mínimos quadrados para ajustá-lo a uma função desse tipo (poderíamos usar qualquer outro método de otimização). O código então tornar-se-á:
(se não abrir: https://gist.github.com/renanbirck/4743133)

Após executarmos, obtemos o gráfico:


Como queríamos demonstrar, obtivemos um bom ajuste. O modelo é bem adequado; para visualizarmos os parâmetros bastaria um print p no final do código.

E nem doeu: foram exemplos adaptados do que eu encontrei na documentação do SciPy. :)

Quanto ao desempenho, a leitura dos dados leva 2 segundos, e o ajuste cerca de 15 segundos num i7-2670QM, mas isso pode (e vai) variar dependendo do chute inicial; para um trabalho mais avançado seria interessante e necessário fazer um meta-ajuste.