sábado, 31 de agosto de 2013

Comparando profissionais

Poucos escrevem como um arquiteto constrói: primeiro esboçando o projeto e considerando-o detalhadamente. A maioria escreve da mesma maneira com que jogamos dominó. Nesse jogo, às vezes segundo uma intenção, às vezes por mero acaso, uma peça se encaixa na outra, e o mesmo se dá com o encadeamento e a conexão de suas frases. -- Schopenhauer, A Arte de Escrever

Sejam dois profissionais, de igual formação acadêmica e trabalhando na mesma profissão.

  • Profissional 1 projeta e planeja com base na experiência dele e dos outros. Fugir do foco do projeto? Não, a menos que seja necessário e justificável. Ele vai usar a solução mais adequada para resolver um problema. Ele não trabalha sem especificações - e quanto mais bem definidas, melhor.
  • Profissional 2 faz as coisas da cabeça dele seguindo apenas suas vontades, seus caprichos e um ou outro modismo: é uma boa ideia fazer X, mesmo que fuja do foco do projeto. Ele vai tentar forçar soluções inadequadas, "por que é mais fácil" ou "por que eu já sei fazer".


  • Profissional 1 documenta as suas decisões. Ele consegue entregar o trabalho para outra pessoa, que consegue retomar de onde ele parou. Se ele tiver que dar manutenção num projeto que ele fez há anos atrás, ele consegue.
  • Profissional 2 acha que comentários, documentação etc... são "frescura" e que os bons não precisam disso. Aliás, o profissional 2 vive de se achar melhor do que ele realmente é, e usa isso como desculpa para não aprender tecnologias novas: ele não precisa disso, afinal o salário dele está garantido. Ou ele se apega a todas as novidades sem entender o que elas realmente são.


  • Profissional 1 adota boas práticas desde o começo. Ele prima pelo trabalho dele ser limpo, enxuto e eficiente. Já o profissional 2? Só faz uma limpadinha por cima no final.
  • Profissional 2 desenvolve e testa tudo de uma vez só; já o profissional 1 desenvolve iterativamente e testa conforme desenvolve, não começando outra parte do projeto até que uma esteja funcionando adequadamente. Aliás, uma das primeiras coisas que ele faz é especificar testes.


  • Profissional 1 sabe que volume não é quantidade e que, aliás, as melhores e mais elegantes soluções são as mais simples. Já 2 quer é demonstrar a capacidade dele de ser prolixo.
  • Profissional 2 consegue cobrar mais barato por isso e entregar o trabalho mais rapidamente: boa sorte para o cliente ou para quando ele mesmo tiver que fazer manutenção. Já o profissional 1 pode demorar mais, mas entrega um trabalho melhor.

Quando o projeto do profissional 1 dá errado ou não funciona de forma satisfatória, ele sabe por onde começar a corrigir os problemas. E provavelmente ele vai achar o problema: ele vai usar as ferramentas adequadas para descobrir o defeito.

Já o profissional 2 se desespera, rasga tudo e começa de novo. Ou usa a ferramenta errada, não é muito fácil mas dá pra dar um jeitinho.

Qual deles é o melhor profissional? Qual deles é o mais comum?

E infelizmente, o que mais vemos por aí são profissionais do tipo 2. Já começa desde cedo na faculdade: deixam tudo para a última hora, não organizam, não planejam, e faltando algumas horas para a data de entrega é um desespero para tentar fazer a coisa funcionar direito.

Se apegam a formas prontas para resolver problemas, e tentam forçar todas as soluções a caberem no mesmo molde, mesmo que isso seja péssimo de um ponto de vista técnico.

Mas o pior é ver empresas que sugerem que você se comporte como um profissional do tipo 2: recentemente, desenvolvendo com o hardware de um grande fabricante, uma das recomendações era encontrar um código parecido com o que você quer fazer, copiar e colar. Justamente para fugir da abstração que eles mesmos criaram. Na hora perdi a vontade de trabalhar com o hardware.

Profissional do tipo 2: não seja esse profissional. Aprenda a fazer direito, mesmo que isso lhe custe mais a curto prazo, para evitar o retrabalho, a perda de tempo (seja sua, seja do seu sucessor).

Aliás, o livro do qual eu tirei a citação do topo deste post é uma leitura bem interessante para qualquer profissão criativa: tudo que está lá pode ser facilmente adaptado.

(Fonte da foto: http://www.flickr.com/photos/jpaxonreyes/5034760960/lightbox/)

sábado, 17 de agosto de 2013

Novo nome, sob a mesma direção

Rapidinha para quem estranhou a troca de nome:

Para nos alinharmos com as novas tendências do mercado, decidi renomear o blog. Considera-se que o novo nome traz a sinergia de uma marca forte e bem-estabelecida com o potencial inovador causado pela troca de ideias.

O nome antigo era impronunciável para muita gente, gerava confusão etc... e muita gente procurando horários de ônibus para 2112 (se as empresa de ônibus não conseguem nem acertar o horário para a semana que vem, quem dirá para daqui a 99 anos), gabaritos de provas e vestibulares para esse mesmo ano etc...

Espero que agora fique mais fácil de divulgar.

Crédito da foto: Anderson Luton/Flickr

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

De impostos e soluções burras/imediatistas/etc...

Recentemente surgiu a proposta - idiota, usando um eufemismo - de aumentar a carga tributária sobre os combustíveis para poder reduzir as passagens de ônibus. Solução óbvia, simples e inútil: ignora que as passagens não serão reduzidas (ao menos não como prometido) e que esse dinheiro arrecadado irá para o sumidouro do dinheiro público.

Ignora que estamos em séria necessidade de uma reforma tributária e política. Ignora que somos um dos poucos países onde a pirâmide está invertida: quanto mais pobre, mais imposto se paga. As grandes fortunas estão no exterior, estão em bolsa de valores, não estão sendo tributadas (e nem violando nenhuma lei: não é preciso ser criminoso para ser corrupto).

Ignora que aumentar os combustíveis reflete no custo dos fretes: já temos sérios problemas com infra-estrutura de rodagem e ainda criamos outro. Ignora que nem todo mundo usa carro simplesmente para fins pessoais e que, inclusive, o governo também gasta em combustíveis.

Pouco se fala em reduzir os impostos incidentes sobre o transporte público. Nada se fala em investigar os contratos com as empresas de ônibus (até por que, em nosso país, mexer com empresas e puní-las por corrupção - seja corruptora, seja corrupta - é tentar implantar o comunismo, não deixar o cidadão de bem ganhar dinheiro). Aliás, não se fala em obrigar as empresas (de todos os setores) a mostrarem suas prestações de contas.

Por sinal, temos um tabu enorme em punir empresas: desde que elas sejam grandes, ou seja, financiem campanhas, elas podem tudo que o cidadão de bem não pode. Encostar nelas é proibido, sob pena de ser tachado comunista, sob pena de sermos acusados de estarmos destruindo a economia ou o PIB não crescer alucinadamente (mesmo o PIB sendo um indicador ruim para medir o desenvolvimento de um país).

Muito menos ainda se fala em eliminar os privilégios dos políticos - o que já garantiria uma enorme economia para o país - e acabar com a propaganda estatal. Aliás, considero que o governo deveria ser proibido, por lei, de fazer propaganda: vender melhorias em algo que não melhorou é propaganda enganosa, e em se tratando de serviço público é relativamente fácil ver as melhorias (ou a ausência delas).

Não se fala em profissionalizar o serviço público, em tornar ele menos burocrático (como já cansei de afirmar, burocracia é corrupção: ninguém fura a fila que não está lá, ninguém sonega o imposto que não existe, ninguém paga para ter um privilégio que não é necessário), em punir as incompetências, os superfaturamentos e atrasos em obras de forma efetiva - coisas que qualquer empresa séria faz.

Todas ótimas soluções que não custam nada ao contribuinte - e inclusive poderiam aumentar a arrecadação de impostos, com mais gente usando esses produtos e serviços. Perde-se de um lado, ganha-se mais ainda de vários outros.

Pena que muito dificilmente essas mudanças acontecerão: nenhum governo gostará de não poder fazer propaganda. Ser político deixará de ser interessante. Uma reforma tributária geral causa menos efeito nas pessoas do que zerar o IPI dos carros. Na pior das hipóteses, vai ter gente irritada por ter perdido um suposto status quando o povão começar a ter acesso a melhorias.

Mas a solução mais simplista, mais burra está lá: um novo imposto, ou aumentar os existentes. Mesmo sabendo que essa história já cansou e não cola. Mesmo sabendo que isso é destrutivo para a economia - exceto quando beneficia as empresas amiguinhas dos candidatos.

Um argumento relativamente comum é país X tem a mesma carga tributária do Brasil e ninguém reclama. Uma comparação tão absurda que chega a dar pena. E os nossos serviços? Eles tem (ou um dia terão) a mesma qualidade do país X? Nesse país X temos superfaturamentos, atrasos em obras, licitações compradas e cabides de empregos? Muito provavelmente não: se eles acontecem, são esporádicos.

Países tão grandes quanto o nosso conseguem resultados melhores (e inclusive possuem programas sociais muito mais abrangentes, para ódio dos classe-média-sofre) com uma menor carga tributária: quem é o errado na história, eles ou nós?

Na verdade, quando se fala em melhorar o serviço público (qualquer um deles) no Brasil, existe um ciclo bem comum:

  1. [X = Educação/saúde/transporte público/cidadania/...] está deficiente! Vamos criar um imposto e o dinheiro será investido em X! Eu prometo!
  2. Cria-se um imposto (que, como eu já disse, os mais pobres pagam, pois é de longa data que no Brasil os ricos efetivamente não pagam impostos). X não melhora, mesmo se jogando rios caudalosos de dinheiro nele.
  3. Em uma última tentativa, pede-se "10% do PIB para X!". E coloca-se 10% do PIB lá, e mesmo assim as melhorias são insignificantes: outros países fazem melhor com menos gasto.
  4. O governo pode colocar na sua propaganda "investimos em X!" e mostrar meia dúzia de figurinhas que supostamente comprovam o investimento. Mas para cada melhoria, houveram várias pioras.
  5. Opcionalmente, cria-se um programa que promete mudanças radicais - e cumpre, nos primeiros meses, até vermos que não é bem assim e que o problema é mais profundo.
  6. Não tem passo 6, voltamos ao passo 1.

Não que o povo seja muito melhor: a solução dele muitas vezes vem em agressões, em ofensas, em palavras fortes e vazias. Eles querem uma solução - novamente - radical, imediatista e quanto mais violenta e brutal melhor. Mesmo não tendo resolvido o problema, apenas escondido ele, dá a sensação de satisfação. Mas ninguém quer sentar e discutir reais soluções, afinal não tem o mesmo prazer de dizer que fez X e Y.

Somos um país viciado em soluções simplistas, que ignoram toda a raiz de um problema, todas suas consequências e implicações. Tentamos resolver com dinheiro o que não é problema dele. Aliás, é bem comum isso vindo de certos políticos, de certos partidos: soluções imediatistas, demagógicas e - por que não dizer - burras.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

A importância da boa comunicação

Duas situações que me aconteceram esses dias e que ilustram o tema desse post, a importância de se comunicar de forma simples e efetiva:

  • Outro dia vi num desses grupos de vendas no Facebook alguém perguntar se um produto era original ou réplica (eufemismo para falsificado). A resposta: não é réplica. Não é réplica (frase essa que poderia teria sido dita mais claramente: é original) ou não, é réplica? Ficou a dúvida, causada pela simples ausência de uma vírgula.
  • Em outra situação, fui avisado por um colega (chamá-lo-ei de A) que precisava fazer um outro trabalho de uma disciplina para ser entregue no mesmo dia: entrei em pânico, até que conversei com outro colega meu - o qual confirmou que A se referia a um trabalho que já tinha sido proposto (mas que A não tinha feito ainda). 
Para quem não me conhece: sou chato com erros de escrita, principalmente os grosseiros e evitáveis (cada vez que eu leio alguém errando algo básico, eu choro). Aliás, tenho para mim que boa parte dos mal-entendidos são causados pela má comunicação. Frases sem sentido, vocabulário inadequado, pensamentos mal-estruturados, a necessidade inteira de adivinhar o que o interlocutor está dizendo. 


Acho que todos nós podemos lembrar de algum exemplo onde fomos induzidos ao erro, a conclusões inadequadas ou incorretas, etc... por uma ambiguidade ou por uma frase mal-escrita, ou mesmo de quando perdemos a paciência com gente que precisa falar muito para dizer pouco.

Não é questão de falar difícil: isso muitas vezes mais atrapalha do que ajuda! Há pessoas que infelizmente precisam mostrar que sabem e transformam qualquer frase em um texto rebuscado. É questão de falar de forma minimamente adequada para a situação: e-mails profissionais não combinam com vc ou com migo, e nenhuma situação combina com FALAR GRITANDO SEM VÍRGULAS.  

Outra situação, infelizmente comum, é entender o inglês de algumas pessoas (que deveriam se preocupar primeiramente em aprender a estruturar um raciocínio ou uma sentença, em sua língua nativa mesmo). São erros aqui, abreviaturas para cá, etc... que acabam afetando o entendimento da frase.

Por mais que meu inglês tenha alguns problemas, eu nunca precisei (e nem vejo sentido, não estou escrevendo um telegrama cobrado por palavra) trocar you por u: isso mais atrapalha do que ajuda. A propósito: não, um tradutor on-line não é um bom substituto para aprender o idioma, no máximo ele quebra um galho quando você não entende uma palavra ou uma frase.

O que precisamos, ao menos em situações profissionais, em situações mais sérias, é comunicarmos bem: sermos objetivos, diretos e respondermos ao que é pedido ou perguntado, de forma clara. É simples, mas é algo que muitos não dominam - até por que essa habilidade não é treinada. Ao contrário: por vários motivos, criou-se a cultura do lero-lero, do colocar texto para encher páginas. Daí temos manuais de instrução que não instruem, notícias que não noticiam, picuinhas semânticas sobre o significado de uma palavra, etc...

Outro fator importante é a precisão: a dúvida é sobre X? Pergunte sobre X, mas não só sobre ele: o que levou você a chegar até X. Dê todos os dados necessários para resolver o problema. Não fale mais do que o necessário, nem menos (mas na pior das hipóteses é mais fácil dar mais informações: em último caso pode-se descartar o que não interessa). 

Falta de comunicação, ou a má qualidade dessa, mata, atrapalha, atrasa projetos e cria situações desagradáveis. Mas infelizmente muitos não conseguem superá-la, seja por desconhecimento, seja pela necessidade de falar difícil (especialmente quando é para enganar os outros), ou simplesmente pela preguiça ou descaso de escrever com maiúsculas e sem abreviações.