domingo, 6 de outubro de 2013

Da falibilidade (e outras coisas) da ciência

Recentemente, foi noticiado que uma pesquisa falsa tinha sido aceita em diversos periódicos científicos. E outros problemas nas publicações científicas não são de hoje: 5 minutinhos lendo o Retraction Watch demonstram que apenas estamos vendo a ponta do iceberg.

Para quem acompanha o mundo científico, lê artigos etc... não é de hoje: que atire a primeira pedra quem nunca esbarrou em um artigo pessimamente escrito, com introduções que não introduziam, erros graves de argumentação, gráficos e diagramas ilegíveis, desenhos que não seriam aceitos nem em uma aula na 4ª série, falta de tratamento estatístico de resultados. E o pior foi ver isso em um periódico peer-reviewed.

Existem periódicos que se dedicam a publicar qualquer coisa: pagou, passou. O seu nome aparece em um periódico parecido com o de algum de alto fator de impacto, você tem seus nanossegundos de fama, e você pode dizer que publicou internacionalmente.

Aliás, se o seu sonho é publicar algo na Nature ou Science, mas você é um mero mortal, não se preocupe: publique na Nature and Science e tenha seu artigo do lado de deliciosas pérolas, como um suposto experimento para provar a existência de matéria escura, no qual seus autores confundem matéria em uma sala escura com matéria escura!

Voltando ao ponto principal: a ciência não é infalível, não é implacável, não é isenta da possibilidade de corrupção e fraude, afinal, ela é feita por seres humanos facilmente subornáveis. Ainda fica pior quando se envolvem interesses financeiros (bolsas, financiamentos de pesquisa etc...) - tanto é que as ciências onde menos se vêem problemas éticos são as puras (matemática, física, filosofia...), visto que elas não lidam diretamente com dinheiro e um teorema ou descoberta de um novo fenômeno físico não vai gerar uma patente ou um copyright facilmente.

A revisão por pares também é feita por seres humanos: erros e omissões naturalmente acontecem, porém alguns se corrompem por interesse. Eu posso muito bem pedir para o meu amigo revisar meu artigo (leia-se: aprovar direto). Vira uma enorme troca de favores.

Soma-se a isso o fato da pressão por resultados (publish or perish), a necessidade absurda de mensurar a produtividade por meio do fator de impacto (leia-se: quantos artigos Fulano publicou e quantas vezes foi citado) e outros fatores: prato cheio para fraudes - que seriam desnecessárias se a ciência não estivesse tão profundamente metrificada.

Tudo isso foi criado, em grande parte, pela necessidade de publicar cada vez mais e de fatiar uma pesquisa em infinitas partes (a Salami Science), as quais formarão uma centopeia de citações. Oba! Meu fator de impacto aumentou!

Pela voracidade do modelo atual, perdeu-se a possibilidade de fazer uma pesquisa profunda, algo que exija anos de dedicação, algo que gere um impacto do tamanho do trabalho de um Einstein ou Darwin.

Por fim, aquele que eu julgo ser o principal problema: muitos resultados publicados não são reprodutíveis, por diversos motivos: materiais e métodos incompletos ou inacessíveis, não se divulgaram os algoritmos usados para tratamento dos dados/simulações/etc... e tampouco o código-fonte está disponível.

Embora a tecnologia já exista e seja usada com sucesso para desenvolver software/hardware livre, para colaboração entre equipes etc... poucos cientistas as adotam.

A ciência não é infalível, justamente por ser realizada por seres humanos. Mas podemos reduzir o índice de falibilidade dela: a solução para isso é a mesma solução necessária à política, à economia, etc...: transparência. Tema sobre o qual já falei antes.

Dados abertos e uso/desenvolvimento de software livre, como atividades preferenciais/mandatórias e não como a exceção. Deixar claro que o pesquisador X recebeu uma bolsa do instituto Y ou que a pesquisa sobre Y foi patrocinada pela empresa Z. Ah, e jogar fora o produtivismo e o vício em mensurar todas as atividades.


Fonte da imagem: The Puzzler | Flickr (CC BY).